21 DE OUTUBRO DE 2017
INFORME ESPECIAL
RICHARD BRANSON NO ESCURO
Aventureiro, bilionário, boa-pinta e poderoso. O britânico Richard Branson é o fundador do grupo Virgin, faturamento anual equivalente a R$ 61,4 bilhões. Discos, aviões, trens, hotéis e turismo espacial estão entre os negócios do conglomerado.
Durante a semana, ele deu uma palestra na Wharton School, Filadélfia. Fila na porta, auditório lotadaço. Cheguei cedo. Sentei bem perto do palco.
Camisa branca com mangas dobradas, cabelo cuidadosamente despenteado e um sorrisão estampado no rosto, o palestrante foi ovacionado quando saltou detrás de uma cortina. Sua primeira frase: "Tem alguma coisa errada aqui". Ato contínuo, pegou uma tesoura - estrategicamente colocada antes sobre mesa de apoio - e cortou a gravata do mediador, um professor de Wharton, em três pedaços, todos jogados para a plateia ao estilo rosas de Roberto Carlos. Delírio. Gritos, risos, aplausos.
De volta aos negócios, Branson, 67 anos, anunciou que o seu primeiro foguete comercial, que levará turistas ao espaço, fica pronto até o começo de 2018. E perguntou ao respeitável público: "Quem aqui gostaria de ir para o espaço (pausa) com passagem de volta?". Quinze por cento ficaram imóveis, eu entre eles. O avião foi inventado há mais de cem anos e, vira e mexe, dá problema. Imagina um foguete.
Branson é um showman. Sofre de dislexia, distúrbio que compromete a capacidade de leitura e, por isso, algumas vezes, o aprendizado. Abandonou a escola aos 15 anos.
Perguntado como isso impacta na sua vida, nem precisou pensar: "Me tornei muito bom na arte de delegar e aprendi a ser simples e a exigir simplicidade".
Aí foi lindo, porque caiu uma daquelas fichas que só caem de vez em quando. É possível transformar a fraqueza em força. Foi o que de mais importante aprendi na palestra, que teve também um surpreendente momento bairrista.
O assunto era engajamento social quando surgiu uma foto no telão. Branson, Nelson Mandela, Jimmy Carter, Kofi Annan. No canto esquerdo, em primeiro plano, Fernando Henrique Cardoso. O palestrante apresentou-os como "pessoas experientes, com elevados padrões morais e que formam um grupo capaz de aconselhar e ajudar a manutenção da paz na Terra". Uau.
O dono da Virgin está lançando seu novo livro, Encontrando a minha Virgindade, autobiografia que termina com uma lista de 75 ocasiões em que ele poderia ter se machucado muito ou morrido. Surra de assaltantes, mergulho com baleias - chegou perto demais e quase foi atingido pela cauda de uma delas -, acidentes, quedas, saltos, tentativas de sequestro, escaladas, incêndios. "Você só pode perder a sua virgindade uma vez. Mas, em cada aspecto da minha vida - erguendo negócios, construindo a minha família, embarcando em aventuras -, eu tento fazer coisas pela primeira vez todos os dias", explicou.
Achei meio cansativo. Todos os dias? Dá pra ser uma vez por semana ou por mês? E fiz, mentalmente, a minha lista de "close shaves", cortes de lâmina muito rentes à pele, forma que eles usam aqui para definir o que chamaríamos de "quase mifu".
Enfiei um arame na tomada, perguntei pro Chico Buarque a opinião dele sobre o mensalão e assisti a mais de 10 jogos com o Airton e o Balalo no meio-campo. Chega, né? Depois lembrei que nadei com um tubarão. Bem pequeninho. Mas era um. Gostei mais de nadar com golfinho. Mas isso não rende livro nem palestra.
Só posso dizer que fui dos poucos na palestra, talvez o único, a ver um outro Branson. No escuro, quando ele pediu para rodar um vídeo sobre ele mesmo.
Eu estava bem perto do palco. Fiquei olhando fixamente para ele, não para a tela. Assim que as luzes se apagaram, sua expressão mudou. Ele se curvou levemente na cadeira. Tinha agora uma fisionomia cansada, preocupada. Olhar distante. Foram quatro minutos de um Branson quase invisível.
Quatro minutos.
A luz voltou.
O aventureiro, bilionário, boa-pinta e poderoso voltou.
O show não pode parar. (Tulio Milman)
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