quinta-feira, 19 de outubro de 2017


19 DE OUTUBRO DE 2017
LYA LUFT

Palavras como balas de goma


Engraçado, mas a maioria de nós tem medo das palavras. Da palavra escrita, então, é um terror, pois parece definitiva, mesmo agora, no computador, podendo deletar a qualquer hora. Aliás, deletar nos salva tantas vezes. Substituir também. Comecei a usar computador, acho eu, quando os primeiros escritores no Brasil começaram, e foi para aliviar o meu trabalho braçal de tradutora, às vezes lidando com isso por muitas horas todo dia.

Depois, o definitivo grito de liberdade quando, antes de entregar originais de um romance meu para a editora, já escrito no computador, na última hora achei que o nome da personagem principal, a narradora, Teresa, era um nome muito forte, ela frágil. Num impulso, pra variar, botei o "substituir" e troquei "Teresa" por "Nora". Alguém me explica por que o segundo me pareceu mais fraco? Mais líquido, menos toc toc toc do que Teresa, começando com T? Não há muita explicação para nossos amores e predileções, coisas lá nos subterrâneos do inconsciente, ou meros caprichos.

Esta que aqui escreve é apaixonada por palavras desde muito pequena, para quem elas lembravam pedrinhas coloridas ou saborosas balas de goma. Elas eram borboletas nos meus pensamentos. Lindas ou assustadoras, amigas ou desafiadoras, não fazia mal.

Não sonhava, então, usá-las profissionalmente, mas acaba que com elas ganhei a vida e ainda pago as contas. Nestes tempos em que tanta gente tem coisas a dizer, e diz alto e bom som, pedagogicamente querendo ensinar todo mundo, as palavras retomam seu valor. Só que, pobres de nós, tendemos a usar clichês. 

E, quando são os ideológicos, os deuses se compadeçam de nós: que cansaço. Perdem-se amizades, desfazem-se amores, ofendem-se pessoas ou se decepcionam outras, porque nos agarramos às palavras que, pensamos, expressam nosso pensamento. Será? Teremos pensamento claro, livre, dominante, ou corremos atrás das ideias de outros, ainda tendo enrolados nos tornozelos os ramos das nossas crenças adolescentes?

Tudo muito chato, penso com frequência. Possivelmente outros também me achem assim, muito chata. Uma atriz certa vez disse que detestava meus livros porque eu escrevia "sempre a mesma coisa". Não chego a tanto, mas a verdade é que todo artista tem seus temas centrais, ou sua frase vital, e a repete disfarçando, aqui e ali, pelo resto da vida. 

Eu, em geral, escrevo sobre família e seus desencontros. Sobre pessoas diferentes e sua solidão. Quando pinto (nisso não sou profissional, mas amadoríssima), acabo fazendo nuvens e ondas. Coisas que me dão prazer. Andamos curtindo pouca alegria por aqui, notícias espantosas, receios esquisitos, bizarrices demais.

Então, nesta minha última interinidade de Verissimo, viva às palavras que nos formam, conformam, confortam, espantam e eventualmente transfiguram.

* O colunista Luis Fernando Verissimo está em férias - LYA LUFT

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