sexta-feira, 20 de outubro de 2017


Como é triste dormir em hotel triste

Fui a trabalho, na semana passada, para o que chamei de "peloamordedeus quem cometeu a arquitetura & urbanismo dessa cidade" e tive de dormir em um hotel que apelidei, generosamente, de "eu preferia virar a noite pensando em uma campanha publicitária para PGBL/VGBL, sofrendo de uma virose considerável, desde que a decoração não me lembrasse que vamos todos morrer e talvez de forma trágica". Foram das piores noites estéticas de toda uma vida.

Se você é o tipo obsessivamente engajado em questões sociais sem energia para admirar uma cadeira design ou apenas desencanado de confortos e belezas (que dorme em qualquer colchão sem mancar no dia seguinte e não consegue diferenciar uma boa camisa de um papelão de cor duvidosa com botões), te peço que não leia esse texto. Não quero te perder. Você é uma pessoa infinitamente melhor que meus escolhidos e te necessito por perto, para tentar alguma iluminação.

Posto que invejo sua superioridade em termos de caráter, decência, estudo, criação, grupo de amigos, gosto para revistas e ideais, aqui me despeço e convoco outro tipo de gente. Os que podem, assim como eu, passar horas deprimido ao conviver forçosa e intimamente com quadros de etéreos barquinhos ancorados, criado por um produtor local que gosta mesmo é de ser contador. Cortinas medonhas perfume decadência e cor "ex gola branca ensebada pela indolência"; uma parede que insiste em ornar um laranja fim de feira com um verde água ambulatório de despachante; piso frio no quarto, imitando granito, adornado por desenhos que parecem drosófilas esmagadas (estilo o que a Tia Cidinha mandou botar na cozinha da casa de Itanhaém porque ninguém vai mesmo) e ásperas e cinzentas toalhas formando os terríveis cisnes tão apaixonados quanto puídos e amargurados.

Importante ressaltar aqui (me tornei uma coitada preocupadíssima em não levar porrada nas redes sociais e perdi o que eu tinha de melhor que era uma expansiva aptidão para levar porrada nas redes sociais) que não falo de luxo, de riqueza, e sim de não ser um assassino de retinas esperançosas e peles muito humanas. E já vi muita gente inteira de C&A melhor vestida que a amiga de Dior. Mas também já vi muito infeliz mandando arrancar belíssimos taquinhos antigos de madeira da sala pra meter um mármore brilhoso de hall de dentista. Por que, meu Deus, você que tem dinheiro pra um antiguinho fofo em Santa Cecília, mora em um neoclássico da Vila Olímpia?

Quando vi a privada marrom com aquele assentinho que solta pum fake ao ser abundado, porcamente destacada por azulejos rosa clarinho e um piso cinza com desenhos de rajadas grafite, meu ânus travou em repúdio e rebeldia: "Sorry, gata, mas eu me recuso a lidar com isso". De volta pra casa fiquei cinco dias no Tamarine.

E pra dormir vendo um ventilador de teto dourado ornamentado com strass e conchas? Tive vontade de me drogar pela primeira vez na vida. E a cabeceira feita de uma espécie de carpete de madeira que se prolongava para os armários e para os rodapés e para o inferno? Ainda não me conformo que esses hotéis nemsergiocabralmereciadormiraqui" cobrem (e caro!) a hospedagem quando, se vivêssemos num mundo justo, o check out seria celebrado com tocha olímpica, tema da vitória, familiares emocionados, crianças acenando e um gordo prêmio em dinheiro com taxa adicional de insalubridade. 

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