27 de abril de 2016 | N° 18510
REPORTAGEM ESPECIAL
ALÍVIO PARA O PIRATINI, APERTO NO PLANALTO
SUPREMO DEVE DEFINIR qual é o cálculo a ser utilizado na renegociação de dívidas dos Estados com o governo federal. A decisão pode zerar o débito do Rio Grande do Sul com a União
Questão essencial para a saúde financeira do setor público brasileiro, a renegociação da dívida dos Estados com a União entrará na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na sessão de hoje, a partir das 14h. De um lado, unidades à beira da falência, com atrasos nos pagamentos de salários, casos do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. De outro, o endividado governo federal, que enfrenta recessão e uma das maiores crises econômicas da história do país.
A decisão sobre o futuro dos contratos ficará sob responsabilidade dos 11 ministros da Corte depois de anos de negociações frustradas entre governadores e o Palácio do Planalto – um pedido de vista pode levar ao adiamento. As duas possibilidades postas à mesa são antagônicas. Uma autorizaria a adoção de juro simples para recalcular descontos retroativos. Com isso, RS e SC, por exemplo, já teriam quitado integralmente a dívida. O governo da presidente Dilma Rousseff diz que a tese dos Estados traria rombo de R$ 313 bilhões, em valores de 2013, e pleiteia a manutenção do juro composto – ontem à noite, o Ministério da Fazenda atualizou as perdas para R$ 402 bilhões.
De largo alcance, a decisão preocupa até mesmo o vice-presidente Michel Temer, que poderá herdar o comando do país nos próximos dias se avançar no Senado o processo de impeachment de Dilma. Interlocutores de Temer procuraram ministros recentemente para tentar desarmar a chamada “bomba fiscal”.
PREOCUPAÇÃO COM ASPECTOS POLÍTICOS QUE TEMA ADQUIRIU
Dez Estados chegam à sessão com liminares vigentes que os autorizam a pagar as parcelas com base no juro simples, conforme previsão das leis 148/2014 e 151/2015. Essas decisões proibiram a União de aplicar sanções como o bloqueio de contas, o que vinha acontecendo com o Rio Grande do Sul. Após as derrotas nas liminares, o Planalto elevou o tom do discurso. Passou a apontar que o juro simples causará severo impacto em período de crise. Outro argumento é de que esse método poderá gerar insegurança jurídica, já que a maioria dos contratos feitos pelo mercado adotam o modelo composto, que implica juro sobre juro.
– A maneira correta de fazer isso (renegociação) é adotar interpretação dos contratos que não crie incerteza jurídica para contratos privados, que não crie desequilíbrio federativo em que os Estados mais endividados, cuja folha de pagamento cresceu mais, sejam mais beneficiados do que Estados que fizeram seus ajustes – declarou o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, em recente reunião com o relator do caso no STF, Edson Fachin, e governadores.
A análise de Barbosa tem a simpatia de Fernando Ferrari Filho, professor de Economia da UFRGS. Para ele, a renegociação deve se limitar a deságios em troca de medidas de controle de gastos e à redução do percentual de comprometimento da receita com o pagamento da dívida, atualmente fixado em 13%:
– Se analisarmos estritamente questões técnicas e econômicas, não há possibilidade de o STF atender ao pleito dos Estados. Via de regra, qualquer negociação usa o juro composto. Mudar isso criaria um círculo vicioso em que nenhum contrato mais seria respeitado.
O governador José Ivo Sartori passou o dia de ontem em reuniões com ministros da Corte para apresentar argumentos. A justificativa é de que o Estado já pagou mais do que devia originalmente, mas o débito continua a crescer em decorrência dos juros. Sartori diz ainda que o Piratini apenas quer que seja aplicada a determinação das leis 148/2014 e 151/2015, que obrigam a adoção do juro simples. O governo federal, percebendo a iminência do rombo, editou decreto posterior para regulamentar as normas. No texto, retomou a lógica do juro composto. Uma das preocupações do governo gaúcho é o contorno político do tema.
– Acreditamos bastante na robustez da nossa tese, mas existem questões que podem interferir. A União fala em rombo de R$ 313 bilhões como se fosse algo imediato, mas, na verdade, isso seria diluído em um período de 12 a 22 anos, algo em torno de R$ 20 bilhões ao ano. Isso representa 0,7% do orçamento da União. Esses argumentos vieram com o viés de criar um clima de terrorismo – reclama Euzébio Ruschel, procurador-geral do Estado, que fará sustentação oral no STF ao lado de Santa Catarina e Minas Gerais.
O consultor econômico Raul Velloso indica que, com a adoção de juro simples, a União herdaria um pedaço da dívida que é dos Estados. Para fazer frente, teria de ampliar o superávit primário. Velloso discorda da tese de que o modelo pleiteado pelos governadores causaria insegurança jurídica:
– Isso é uma questão entre governos. Não tem nada a ver com o mercado. Isso não é argumento.
Não está descartada a possibilidade de que os ministros do STF tentem chegar a uma alternativa mais equilibrada e menos dolorosa para ambas as partes.
carlos.rollsing@zerohora.com.br
Solução para o caixa, diz Feltes
Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes avalia que a eventual confirmação do juro simples no cálculo dos descontos retroativos no estoque da dívida com a União equacionaria significativa parcela dos problemas financeiros do Estado. Ele viaja hoje a Brasília para acompanhar a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que irá deliberar sobre o caso.
– Resolveria a metade dos nossos problemas de rombo mensal. Aliada a ações que estamos tomando e junto da saída da recessão e retomada do crescimento da economia, seria uma medida que nos aproximaria mais rapidamente do equilíbrio – afirma.
Feltes destaca que o Rio Grande do Sul tem registrado mensalmente déficit de cerca de R$ 550 milhões, o que leva ao parcelamento de salários. Com o juro simples, o Estado teria quitada a dívida com a União. Isso o livraria de pagar as prestações mensais de, aproximadamente, R$ 270 milhões.
– Estou otimista porque a nossa tese é vigorosa. O que queremos é somente o cumprimento do que está determinado nas leis 148/2014 e 151/2015 – diz.
CARLOS ROLLSING