quarta-feira, 4 de setembro de 2024


04 de Setembro de 2024
MÁRIO CORSO

Reveses da demência

Existe um incremento de pedidos de tratamento psicológico por um motivo específico: como lidar com a demência dos pais. São filhos exaustos e confusos. Geralmente já peregrinaram por médicos, que pouco puderam fazer a respeito de seus pais. Quando há um remédio, é apenas para retardar o inevitável.

Essa condição é consequência de uma boa notícia: estamos vivendo mais. Porém, nem sempre corpo e cérebro andam no mesmo compasso. Enquanto houver equilíbrio é uma felicidade, os avós poderem acompanhar a vida de seus netos. O convívio entre gerações é história viva.

Para a maioria tudo termina bem, mas, para outros, chega uma conta pesada. Exige uma maturidade, que nem sempre temos, para assistir ao declínio físico dos nossos pais. Os gigantes que nos cuidaram, que nos erguiam nos braços, agora se seguram nos nossos. Mas é da vida, e é um prazer estarmos ali. Já, para o declínio cognitivo deles, é ainda mais difícil, não temos defesa.

O inimigo é desleal, impalpável, se esgueira pelos cantos das palavras. Parece que não entendemos bem o idoso, e deixamos por isso mesmo. Custamos a acreditar no lento desligamento deles. Apelamos ser estresse, um sentido vago que diz tudo e nada.

É comum que os declínios comecem por uma queixa repetida de estar sendo roubado. A reclamação é genérica, mas existe forte convicção que algo está lhe sendo subtraído, e que alguém seria o culpado. De certa forma, o idoso tem razão, a vida como ele conhece está indo embora. O tempo é um ladrão impiedoso.

Um dia chegamos em sua casa, para uma combinação, e o idoso está surpreso. Teima que não foi avisado. Tem certeza que ninguém lhe falou nada do assunto. Se nega a ver no telefone suas próprias mensagens sobre o evento.

Importante notar que, primeiro, ele não está mentindo; segundo, é bem provável que ele não esteja em condições de fazer uma reflexão sobre o acontecido. Por favor, não insista. Ele realmente não tem registro das conversas anteriores.

Aqui entra nossa maturidade. Saber lidar com alguém que não conserva memórias recentes. Sem meias palavras, é enlouquecedor, pois foge a tudo que é razoável. Enfrentamos a crueldade de assistir à perda de um ente querido em conta-gotas. _

MÁRIO CORSO

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