quarta-feira, 14 de setembro de 2022


14 DE SETEMBRO DE 2022
MÁRIO CORSO

A quem devemos mais respeito?

Somos mais filhos da mãe ou do pai? Ou então, a quem devemos mais respeito? Biologicamente é fácil. Nos genes dá empate, 50% para cada um. Porém, como herdamos mitocôndrias apenas da mãe, ela ganha. Mas na prática, isso não responde nada.

Existe um macabro mito grego em torno dessa questão. O rei Agamenon sacrificou ritualmente sua filha Ifigênia aos deuses para obter vento aos barcos que rumavam para a guerra à Troia. Contrariada, a rainha Clitemnestra arquitetou vingar a filha. Recebeu o esposo com pombas quando ele voltou da guerra. Mas era só ardil para assassiná-lo.

Orestes, irmão da sacrificada, vê-se na obrigação de vingar a morte do pai e mata a sua mãe. Enlouquecido pela perseguição das Erínias, monstros que atormentam quem derramou sangue do seu sangue, buscou julgamento em Atenas. A questão era se a vingança procedia. Ou seja, quem ele deveria respeitar mais, o pai ou a mãe?

Deu empate no julgamento de Orestes. A absolvição veio com o voto de Atenas (Minerva, para os romanos) que presidia o júri. A deusa justifica que não teve mãe, fora gestada na cabeça de Zeus, logo sem dívida para com a maternidade. Este julgamento mítico é lido como o nascimento da justiça.

No século 19, um jurista suíço, J. J. Bachofen, acrescenta outra interpretação. Ele pensa esse mito como a passagem alegórica do matriarcado ao patriarcado. A virada de quando o pai tornou-se o centro da autoridade. No século passado, a tese de um poder feminino originário ganhou inúmeros teóricos, curiosamente sem menção a Bachofen. Até hoje essa tese não tem correspondência arqueológica. O que já se pode dizer é que, na Idade do Bronze, a relação de poder homem/mulher era equilibrada. A posterior consolidação do patriarcado, a escolha pelo pai, é a história da assimetria de poder e do apagamento das mulheres.

Alguns historiadores creditam o culto a Virgem Maria, um fato tardio no cristianismo, à influência dos povos europeus autóctones recém-cristianizados. Os ditos bárbaros, veja só, não suportavam uma teogonia sem nenhuma alusão ao feminino. Descia-lhes mal a aridez de uma religião sem deusas. Mitos e fatos respondem a diferentes registros, mas certa é a eterna tensão referente ao poder (e à falta dele) das mulheres. A guerra simbólica subterrânea em torno disso estrutura nosso modo de pensar a vida, portanto é indissociável das escolhas políticas. O voto também determina os direitos e o espaço de liberdade que as mulheres terão. Por isso, a pauta dos costumes gera tanta gritaria. Pense nisso na próxima eleição.

MÁRIO CORSO

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