13 DE SETEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA
Neutralidade crítica
O uso adequado das palavras é sempre um desafio. Conheço um homem extremamente habilidoso nas tarefas de construir e consertar casas, mas que nunca teve a oportunidade de se alfabetizar. Toda vez que ele vai a uma loja, banco ou repartição pública e se atrapalha com crachás, rótulos ou formulários, reclama:
- É muita democracia! Na primeira vez que o ouvi desabafar, achei que estava ironizando. Na segunda, percebi que confundia palavras que rimam e têm a mesma terminação. Pode até parecer engraçado, mas, na verdade, é bem triste isso, pois a confusão sonora retrata o descaso histórico de nossos governantes com a educação.
Mais dolorosa ainda é a constatação de que outras pessoas tiveram a oportunidade de aprender e não aprenderam. Outro dia um colega criticou o político que disse preferir clubes de tiro a bibliotecas. Foi o que bastou para receber mensagens furiosas dos seguidores do dito-cujo, mais de uma com a seguinte acusação:
- Você está sendo imparcial! Assim mesmo, com o prefixo "im" bem evidenciado. Pretendiam xingar o jornalista e deram a ele um atestado de idoneidade, pois a imparcialidade é um dos valores mais apreciados em nossa profissão.
Aqui não se trata apenas de mau uso de palavras, há também o viés do fanatismo. Militantes de determinadas causas sempre duvidam de que alguém possa efetivamente ser imparcial na análise ou no julgamento de temas polêmicos. Uma vez, quando eu era editor de Esporte, o saudoso colega Paulo Sant?Anna, torcedor confesso e apaixonado do Grêmio, me perguntou na véspera de um Gre-Nal para quem eu torceria. Respondi que não torceria para ninguém, pois me considerava neutro - o que ele contestou de bate-pronto:
- Para mim, neutro é colorado!
Partidários raramente admitem a neutralidade alheia. Veem os isentos - isentões, na linguagem debochada da polarização política - como inimigos de suas causas e propósitos. Ou como hipócritas. Não acreditam que alguém possa estar sendo sincero ao manifestar indiferença por determinado resultado esportivo ou ao se posicionar num ponto equidistante dos extremos políticos.
Reconheço que é mesmo muito difícil ser neutro, imparcial e isento todo o tempo, especialmente diante de situações que desafiam as nossas crenças. Porém, creio que a neutralidade indispensável ao meu ofício não deve me impedir de repudiar quem enaltece torturador nem de condenar quem rotula brasileiros de militantes da KKK apenas por vestir verde e amarelo.
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