segunda-feira, 12 de setembro de 2022


10 DE SETEMBRO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

Ausência amorosa

Duas pessoas que amo somaram pontos no ranking dos meus afetos, não por estarem ao meu lado, mas por não estarem. Às vezes, o maior presente que você pode dar a alguém é a sua ausência, e entendo se você discordar. Vem aí uma confissão atípica.

Sou uma mulher que não se atrapalha com a solidão - gosto de ficar sozinha. Minha parceria comigo funciona, o que não impede que eu valorize os momentos com amigos e familiares. Aliás, é justamente por isso que os amo tanto: eles são meu ponto dentro da curva, me fazem sentir "normal". Sei lá por que, é considerado anormal a pessoa se contentar com a própria companhia, algum problema a criatura deve ter.

Devo ter. Gosto de flanar pelas ruas, ir ao cinema, assistir a séries, sem me sentir incompleta por não haver alguém ao lado. Não por acaso, elegi a literatura como profissão: não há como exercê-la em equipe. Sou uma loba solitária e debato sobre isso com meu terapeuta uma vez por semana - nos outros dias, me trato por escrito, no abandono do meu escritório, onde estou agora, sozinha e ao mesmo tempo com você, que me lê.

Entrando no assunto: durante a pandemia, não viajei. Surgiu agora a ocasião e a urgência de pegar um avião e sobrevoar o oceano. Não era o melhor momento para meu namorado, mas, se eu insistisse, ele embarcaria comigo. Não insisti e ele não me impôs nenhuma DR. Conhece a mulher que tem. Sabe que depois de um longo período em que ficamos isolados do mundo, voltados um para o outro, eu precisava matar saudades de mim. Parece simples e é simples, mas o apreço à simplicidade é uma mentira que as pessoas contam. No fundo, adoram um drama, acreditam que as discussões dão mais consistência à vida. Geralmente são jovens, têm tempo para desperdiçar. Não é o meu caso. Sem drama, estou embarcando apenas com minha mochila.

Mais difícil foi contar para uma amiga que mora a quatro horas de trem da cidade onde encerrarei meu rápido tour. Como explicar que o grande encontro marcado era comigo mesma? Se eu não a visse há um longo tempo, seria diferente, mas estivemos juntas poucos meses atrás. Mandei o WhatsApp, contei da viagem. E ela foi de uma classe que, mesmo que eu esperasse, me surpreendeu: "Te conheço, não precisa fazer cerimônia comigo: se precisares de companhia, me chama, mas sei que não vais precisar". Amizade de mais de 40 anos. A preciosidade que é.

Culpa? Óbvio que irá acondicionada em um nicho da bolsa. Sou católica, apostólica, romana. Candidata à crucificação. Mas não consigo abdicar dos meus desejos. Não mais. A maturidade veio definitivamente em meu auxílio, tanto a minha, quanto a maturidade de quem convive comigo. Você tem medo de envelhecer? Não tenha. É quando o amor se revela em plenitude, dispensando os clichês.

MARTHA MEDEIROS

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