quarta-feira, 28 de setembro de 2022


28 DE SETEMBRO DE 2022
CARPINEJAR

Como quebrar o braço em casa

Já fingi uma torção na mão direita para não fazer uma prova. E me dei mal: fui levado para um espaço reservado e tive que ditar as respostas. Enquanto a professora estava em sala de aula com a turma, a secretária da escola me aplicou o exame oralmente.

Já tentei simular febre me cobrindo com edredons e forçando suor, mas acabei desmascarado pelos pais. Já adulterei temperatura no termômetro, porém não houve como intervir na segunda medição. O medo ingênuo de reprovação numa prova de matemática era suficiente para me pôr a mentir. Então, só calculo o que estão sentindo os russos diante da convocação para uma guerra.

Não sofrem por bobagem, por um receio infantil de castigo ou recuperação, por uma questão de aprovação em uma matéria, mas por um instinto maior de sobrevivência.

A frase mais frequente do Google na Rússia tem sido "como quebrar o braço em casa". A caça na web por tutoriais insanos de autoflagelação disparou logo após o presidente Vladimir Putin anunciar, na quarta-feira passada (21), uma mobilização extra para reforçar as tropas na invasão da Ucrânia, convocando 300 mil reservistas com alguma experiência militar.

Imagine o seu jovem filho ou mesmo o seu pai aposentado, diante do computador, procurando entender, passo a passo, como se machucar para não correr o risco de morrer por uma bomba ou por uma saraivada de tiros no campo de batalha e retornar para a família somente dentro de um caixão. A indenização de cerca de R$ 260 mil por existência perdida não desperta a coragem de combatentes, ainda que mergulhados na mais completa penúria.

As atitudes extremas de optar pela dor menor e se ferir para não servir ilustram a coerção do Estado em períodos de exceção. Você se vê sem opção razoável para fugir do recrutamento: ou garantir a dispensa a partir de uma lesão, ou entrar no rebanho do suicídio coletivo.

Quando alguém se predispõe a quebrar o próprio braço, significa que não gostaria de sair do país. Não pode ser estigmatizado de covarde. É igualmente um patriota, pois prefere encontrar uma alternativa para a sua permanência a fugir pelas fronteiras da Geórgia ou da Mongólia.

A pesquisa excêntrica tornou-se um símbolo icônico da paz mundial, assim como a imagem do estudante chinês que desafiou tanques durante os protestos estudantis na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989. Agora, pelas vias digitais, palavras na lupa do buscador se põem na frente dos canhões e resumem até que ponto a humanidade chegou.

CARPINEJAR

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