13 DE SETEMBRO DE 2022
CARLOS GERBASE
Aqui e agora
A capacidade de imaginar é característica da nossa espécie. Outros animais talvez a possuam, mas é quase consenso entre os cientistas que a imaginação humana evoluiu com um grau de sofisticação sem igual na natureza. Criamos cosmogonias, mitos e divindades. Contamos histórias sobre heróis e anti-heróis. Somos capazes de reinterpretar o passado e supor o que acontecerá no futuro.
Antes de viajar, pensamos no roteiro que nos levará a lugares desconhecidos. Imaginamos, muito antes de termos provas concretas, que pessoas nos amam ou nos odeiam. Escrevemos romances e peças de teatro, fazemos filmes, pintamos quadros, compomos óperas. A própria História é uma narrativa de fatos que não presenciamos. Em resumo: nossa mente é uma máquina de abandonar o momento presente e o local físico de nosso corpo. E isso é bom. É parte da essência dos humanos.
Há, contudo, um efeito colateral. Parte de nossa mente, em especial aquelas áreas que evoluíram há mais tempo, algumas delas responsáveis pelo processamento das emoções, estão ainda intimamente relacionadas ao estado "natural" das outras espécies animais, que vivem exclusivamente no aqui e no agora. A imaginação nos afasta de algo precioso: a capacidade de usufruir com a necessária atenção do momento presente, o que não é bom e pode até ser motivo de sofrimento.
Esse paradoxo existencial é objeto de estudo da filosofia e da psicologia há séculos. Nos últimos tempos, tem se fortalecido a ideia de que voltar ao aqui e agora é importante para manter a saúde mental. A palavra da moda é mindfulness, e as estantes de autoajuda das livrarias estão cheias de obras que mostram supostos atalhos para a plena atenção ao presente. Nada contra. Atalhos com palavras gringas podem funcionar.
Só não venham me dizer que os gringos do Ocidente inventaram todos os atalhos. A meditação, surgida no Oriente há milênios, ajuda seus praticantes a domar a imaginação, proporcionando que mentes inquietas demais possam repousar no aqui e agora, o que é muito bom para a saúde. E, por incrível que pareça, contribui para que, depois da prática, a imaginação funcione melhor e nos ajude nos processos criativos, tanto artísticos quanto científicos, em vez de ser uma máquina geradora de ansiedade.
Meditação nada tem a ver com religião ou com pensamento dogmático. Como sintetiza David Lynch, é uma maneira de abandonar as ondas agitadas da superfície e pescar nas águas profundas de nossa mente. Deveria ser ensinada em todas as escolas, despertando as crianças e os adolescentes para uma vida com mais autoconsciência e cuidado de si.
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