Nossos pés na caixinha de sapatos
Você só depende de uma caixinha de sapatos para renascer, para voltar a firmar os pés no chão. Quando você estiver triste ou desmotivado, sem sentido algum na vida, cansado do trabalho, estressado no relacionamento, com a fé já sem elástico, vá atrás da caixinha de papelão escondida no alto dos armários, onde você guarda medalhas da juventude, fotos, agendas, correspondências, cartões-postais e DVDs de suas apresentações escolares.
Visitará cenas de sua trajetória contidas num pequeno esconderijo, em cofre absolutamente frágil. Ninguém dará nada por aquilo, parece tão pouco, mas ali você preservou a sua essência.
Assim como prisioneiros têm os seus pertences recolhidos quando são encaminhados para as celas, separamos os nossos objetos do passado para seguir em frente, para olhar para frente. Sempre que somos pressionados pelas dúvidas de nossos caminhos, é a hora de voltar a eles, para redimensionar a nossa liberdade e a evolução de nossas escolhas.
Você não jogou fora os documentos por um propósito, para que chegasse esse momento de reabastecimento interior, para que pudesse se motivar recobrando quem você é.
Ao levantar a tampa de papel, erguerá a sua cabeça outra vez, lembrará o quanto já foi amado, festejado, desejado. Vai rir de suas danças em família, de suas coreografias dentro de casa. Na época, pedia para não ser filmado pelo pai ou pela mãe, hoje estranhamente percebe um fio de gratidão passando pelas veias, agradecendo que eles deixaram registros de sua infância.
Haverá agendas e diários com letras de músicas traduzidas, fotos de bandas de que gostava, ingressos colados de shows, viagens marcantes, corações flechados com nomes de colegas, desenhos góticos.
Puxará do fundo do recipiente um envelope perfumado, escrito por quem namorava na adolescência. Você jurava que morreria com o fim do relacionamento, que nunca amaria de novo. E sobreviveu, e recuperou a autoestima, e amou em tantas e tantas oportunidades depois.
Achamos que não vamos aguentar, e aguentamos. É bom testemunhar as nossas promessas de desespero sendo quebradas, os nossos gostos se transformando, as circunstâncias negativas se moldando para as responsabilidades.
Quando você perde a confiança, é que simplesmente está com saudade de si. Reparamos com facilidade quando sentimos saudade dos outros, e tão pouco prestamos atenção quando sentimos saudade de nós mesmos.
Releia as suas experiências e veja o quanto mudou ao longo do tempo, o quanto cresceu, o quanto jamais se entregou para as adversidades. Nenhum sofrimento é definitivo. Basta uma caixinha de sapatos para calçarmos a esperança.
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