26 DE SETEMBRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS
Mais obrigações, menos recursos
Com a prerrogativa de ter a última palavra na interpretação da Constituição, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na quinta-feira que crianças de zero a cinco anos têm de ter garantidas vagas em creches e pré-escolas. Deliberou a Corte que é um direito fundamental a ser atendido pelo poder público. Desta forma, reforçou o entendimento de que o acesso à Educação Básica é um princípio basilar assegurado às crianças do país. É uma decisão, portanto, que deve ser cumprida pelos municípios, com responsabilidade na área.
O espírito da posição do STF é indiscutível. Famílias carentes com filhos pequenos, em grande proporção no Brasil, não têm condições financeiras para acessar a rede privada. Não é novidade a existência de um substancial déficit de vagas em creches públicas. Assim, muitas mães que necessitariam procurar trabalho para elevar a renda domiciliar em tempos de preços altos, especialmente de alimentos, acabam obrigadas a ficar em casa para cuidar dos pequenos.
A questão a ser solucionada é de onde sairão os recursos para que as prefeituras possam atender a toda a demanda. Para eliminar a insuficiência de lugares em creches, o custo no país é estimado em R$ 120,5 bilhões ao ano, conforme projeções da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). No Rio Grande do Sul, o valor é calculado em R$ 5,5 bilhões. De acordo com Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, apenas no Estado há mais de 130 mil crianças à espera de vaga em creches e na pré-escola.
A conta que não fecha vai se agravar com a decisão do governo federal de cortar cerca de R$ 1 bilhão do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação para o próximo ano, recursos que poderiam ser usados para esse fim. É preciso lembrar que, na conta, entram fatores que vão muito além da construção das estruturas físicas. Para prestar um bom serviço na primeira infância, fase essencial para um desenvolvimento sadio, são necessários recursos humanos habilitados e verbas para custeio.
São recorrentes as queixas dos municípios, nos últimos anos, de que ganham cada vez mais atribuições, sem contrapartidas no recebimento de recursos para as despesas. As recentes desonerações forçadas pelo governo federal retiraram ainda mais valores. O corte de ICMS sobre combustível, energia e transporte, pelas contas da CNM, vai gerar uma perda anual de R$ 22 bilhões em arrecadação. No caso da redução do IPI, a redução seria de quase R$ 7 bilhões apenas em 2022, com o impacto se agravando no próximo ano.
Outro caso recente é o do piso da enfermagem, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República. Não está em questão o merecimento da categoria, de atuação heroica e reconhecida pelos brasileiros ao longo dos dias mais duros da pandemia. Mas, às vésperas do pleito de outubro, em uma atitude oportunista, no afã de agradar a uma classe numerosa, aprovou-se o benefício sem indicar a origem dos recursos. Uma irresponsabilidade que acarreta dificuldades a pequenas instituições e municípios menores. Devido ao impasse, o STF suspendeu o benefício, e o Senado está à procura de fontes de pagamento. Será positivo se, como se negocia, a verba possa ser realocada do reprovável orçamento secreto.
O municipalismo celebrou, em julho, aprovação de proposta de emenda à Constituição que veta a criação de novas despesas sem que se defina a origem dos recursos para custeá-las. Deste então, espera-se que seja promulgada pelo Congresso. Será essencial para ajudar a recuperar um pouco o equilíbrio de forças no pacto federativo.
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