06 DE AGOSTO DE 2020
NÍLSON SOUZA
Livros e bichos
Enquanto seu lobo (guará) não vem, os brasileiros resolveram investir na autoajuda e nas finanças pessoais, provavelmente pensando na continuação da crise depois da quarentena. É o que se pode deduzir da recém-divulgada lista dos 10 livros mais vendidos no mês passado, o primeiro com resultados positivos desde que começou o isolamento social, segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). O levantamento da Nielsen Bookscan mostra uma única obra de ficção entre esses campeões de vendas e promessas de prosperidade: A Revolução dos Bichos, de George Orwell.
É intrigante constatar a presença desse clássico da fabulação entre livros pragmáticos que ensinam o leitor a chegar do mil ao milhão sem cortar o cafezinho, a desvendar os segredos da mente milionária, a ser o homem mais rico da Babilônia ou, sem qualquer pudor, a ser mais esperto do que o diabo.
Orwell, como se sabe, usou a bicharada exatamente para satirizar e criticar a safadeza, o totalitarismo e a manipulação política que se sucedem a uma revolução feita em nome da liberdade na granja que serve de cenário à alegoria. A humanidade já viu este filme muitas vezes, mas sempre tem protagonistas e público para novas aventuras e desventuras. Talvez, por isso, o livro do escritor britânico mantenha sua atualidade.
Já os bichos do Brasil, tão maltratados por conta do descaso histórico de sucessivos governos com o meio ambiente, foram parar nas notas de real, do beija-flor (R$ 1, já desaparecida) à garoupa (R$ 100), passando pela tartaruga (R$ 2), pela garça (R$ 5), pela arara-vermelha (R$ 10), pelo mico-leão (R$ 20) e pela onça-pintada (R$ 50).
Agora vem aí o lobo, talvez para evidenciar simbolicamente uma verdade descoberta na Roma antiga e que se tornou célebre pela citação do filósofo inglês Thomas Hobbes: o homem é o lobo do homem. Tem a ver com egoísmo, ganância, agressividade e outras características deste bípede pensante capaz de escravizar seus semelhantes e ameaçar a própria espécie.
No emblemático livro de Orwell, o porco é que acaba se tornando o homem dos bichos.
NÍLSON SOUZA
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