03 DE AGOSTO DE 2020
DAVID COIMBRA
A pergunta do meu filho que eu não soube responder
"Da mão para a boca", eu dizia para o meu filho. É assim que vem esse troço, o corona: da mão para a boca. Não acredito muito nisso de que o vírus fica flutuando um tempão no ar, como um colibri da morte. Não. Isso não tem lógica. Ele é leve, mas não é um vírus voador. Ele é como qualquer um dos grandes clubes brasileiros: uma hora cai.
Então, o importante, Bernardo, é saber como é que você pega essa porcaria: se ficar durante muito tempo em um ambiente fechado com um contaminado, ou se algum encoronado desgranido tossir ou espirrar bem na sua cara. Fora isso, da mão para a boca. Ou seja: é preciso lavar sempre a mão ou lambuzá-la toda com álcool gel.
Ele ouvia, quieto, e eu insistia: o contágio se dá pelas vias respiratórias, entende? Pelos cinco buracos do rosto. "Mas os olhos não são vias respiratórias", ele argumentou.
Pensei um pouco. Não são, de fato. Mas se pega pelo olho também, por algum motivo. Então, nada de esfregar o olho."E os ouvidos?"
Fiquei em dúvida. Acho que pelo ouvido o corona não entra. Mas, sei lá, também é um buraco do corpo. Assim, melhor não meter o dedo no ouvido.
Enquanto eu falava, percebi que meu filho estava refletindo. Senti que viria uma pergunta incômoda. Veio: "E se alguém sentar pelado em uma cadeira que tenha corona, o vírus não pode entrar pelo... por ali?"
Maldição. E agora? Será que o corona seria tão solerte e traiçoeiro a ponto de invadir o corpo de um ser humano pelo ânus? O ânus, definitivamente, não participa do sistema respiratório. Embora possa soltar ventos, ele não os engole. Além disso, ele está a boa distância dos pulmões e tudo mais. Agora, vamos supor que você esteja num vestiário e vá tirar a roupa e, para tanto, se senta, completamente pelado, em um banco cheio de coronas frementes. Será que eles podem escalar por suas nádegas adentro e se infiltrar no seu, digamos, âmago e marchar pelo intestino e se espalhar pelo seu corpo? Tenho que perguntar isso para um infectologista. Olhei para o meu filho. Fui taxativo: "Melhor não se sentar quanto estiver sem roupa."
O problema é que a todo momento surge uma exceção nova nessa história do coronavírus. Sei de casos de pessoas que estavam cercadas de gente contaminada e que não contraíram a doença. Sei de casos de pessoas que contraíram a doença sem nunca sair de casa. Em alguns casos, a pessoa pega e não sente nada. Em outros, sente bem pouquinho. Mas há os que sentem muito, os que são hospitalizados e os que morrem. Uns perdem o olfato e o paladar, outros ficam com feridas nos pés e nas mãos, outros sentem dores no corpo, outros tossem e espirram, outros têm dor de cabeça, outros ficam com falta de ar, qualquer coisa que você sentir pode ser sintoma da covid. Que desgraça de doença sem regras é essa? É preciso ter um parâmetro. É preciso um pouco de ordem. Muito irritante.
Seja como for, não ponho mais a mão no rosto. Está tudo me coçando agora mesmo: os olhos, a orelha, o nariz. Tudo. Não coço. Sofro, mas me contenho. A Bíblia diz: "Se te mostraste insensato, depois de exaltado, e te arrependeste, põe a mão à boca". Hoje, um mau conselho. Hoje, o maior mal é o que vai da mão para a boca.
DAVID COIMBRA
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