03 DE AGOSTO DE 2020
ARTIGOS
MÍDIAS SOCIAIS E MEDICINA
As mídias sociais vêm se incorporando aos hábitos dos indivíduos de forma rápida. Em tempos de covid-19, onde o distanciamento não é opcional, a busca por essa espécie de reality show, através de fotos, vídeos e lives, vem determinando um interesse ainda maior por esses meios de comunicação. Sopros de resistência a sua utilização baseados em críticas pela hipervalorização da imagem se enfraquecem diante da constante mudança de valores da sociedade atual. Por todos esses aspectos, essas mídias vêm se tornando, inclusive na medicina, um instrumento com potencial de abrangência exponencial e, associado ao baixo custo, uma das mais potentes ferramentas de marketing da atualidade.
Mas, afinal, se o verdadeiro limitador para abusos no campo da propaganda médica seriam os históricos princípios éticos da profissão, qual seria a diferença entre essas mídias em relação ao rádio, TV e jornal nesse contexto? Provavelmente os elevados custos das mídias tradicionais serviam como limitadores, e o reduzido número de inserções permitiam um melhor controle pelos órgãos responsáveis. Ou seja, conceitos tais como boa propaganda médica é aquela do boca a boca vão se tornando lendas, e nossos alicerces éticos, lamentavelmente, ruínas. Não deveria servir como justificativa, entretanto, é inegável que o aumento da competitividade e dos custos da medicina moderna, a transformação de médicos em pessoas jurídicas e, por fim, a consolidação dos intermediários planos de saúde na relação médico-paciente têm corroborado para essa mudança.
A questão aqui não é lutar contra a correnteza e impedir que as mídias sociais sigam crescendo e de forma democrática permitam que cada um expresse, compartilhe e discuta o que bem entender. Todavia, a medicina não deveria ser um produto no qual a informação científica sirva de camuflagem para propaganda médica e não haja limites entre a vida particular e profissional dos indivíduos. Se faz necessário, urgentemente, que os órgãos fiscalizadores façam proposições resguardando aspectos éticos essenciais a essa profissão e, concomitantemente, as faculdades de Medicina percebam a importância desse tema na formação dos futuros médicos.
Da forma como está evoluindo, o passeio digital pelo celular parece mais uma caminhada por uma rua comercial sedutora, e isso na área médica não é somente um problema, mas a sinalização de uma doença contagiosa no campo da saúde. Doença esta que deve ser tratada enquanto não formamos um exército de novos médicos que acreditem haver um atalho para o sucesso através do qual saber fazer propaganda seria sinônimo de fazer boa medicina.
Médico otorrinolaringologista e professor de Medicina na UFRGS otaviopiltcher@gmail.com - OTAVIO PILTCHER, MÉDICO OTORRINOLARINGOLOGISTA E PROFESSOR DE MEDICINA NA UFRGS
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