Gente aprende mais com quem visitou o inferno do que com colecionadores de selos
É justamente por Keith Richards ter feito coisas que até o demônio duvida que ele virou uma lenda
INA FASSBENDER / AFP
Um dos meus livros preferidos chama-se "O que Keith Richards Faria em seu Lugar" de Jessica Pallington West
Um dos meus livros preferidos chama-se O que Keith Richards Faria em seu Lugar, de Jessica Pallington West. É sério. Quando quero me desintoxicar do bom mocismo, abro uma página aleatória deste livro e me reconecto com o lado pulsante da vida. O pulso ainda pulsa, têm nos lembrado os Titãs em sua turnê exitosa pelo país, mas os batimentos cardíacos do planeta andam fracos, as ideias parecem ter perdido o efeito “uau”. O mundo encaretou uma barbaridade, e por isso trago Keith à essa sala de reunião em formato de crônica e o instalo na cabeceira.
Keith Richards é não apenas guitarrista dos Rolling Stones, mas um filósofo contemporâneo, mesmo que se relute em chamar de filósofo quem empunhe uma guitarra e tenha passagens pela polícia. É justamente por Keith ter feito coisas que até o demônio duvida que ele virou uma lenda, um sobrevivente e uma referência – a gente aprende mais com quem visitou o inferno do que com colecionadores de selos.
Hoje ele é um avô amoroso que acorda todos os dias às 7h da manhã e leva o lixo para fora, um deboche do destino em se tratando de alguém que se meteu em encrencas, bebeu, fumou, cheirou, destruiu alguns carros e teve uns dentes quebrados, causando mal nenhum a não ser a ele mesmo (bem diferente dos políticos com cara de anjo, especialistas em produzir miséria graças a uma delirante fixação pelo poder, e que a sociedade chama de excelentíssimos).
Prezo os bons exemplos e apoio todo ativismo que combata preconceitos, mas é preciso ficar atento para, ao tentar escapar da loucura, não ser cooptado pelas redes. Como aumentar sua autoconfiança, como melhorar o microbioma intestinal, como se vestir para uma entrevista de emprego, como preparar o melhor chá verde, como manter o foco através da meditação... Não se vê mais ninguém minimamente pirado e perdido.
Pirado & perdido não significa grosseiro & vulgar. Quando me atrevo a saudar os loucos, estou me referindo a gentlemen como os Titãs, Keith Richards e outros cavalheiros do apocalipse, mas cavalheiros, antes de tudo. Incluindo damas como Patti Smith (quem estiver sintonizando comigo vai adorar seu Um Livro dos Dias, composto só de fotos e legendas – uma versão mais poética e inebriante do que chamamos de “instagramável”, pura delicadeza e nonsense).
Menos cérebro, mais instinto. Pensar demais não tem funcionado. O planeta bem que poderia voltar a ser rock´n´roll (“música do pescoço para baixo”, como diz Keith). Prestar atenção nos que envelheceram sem tanto juízo e cuja “loucura” nem é tão louca, a gente apenas se acostumou a chamar assim para diferenciar daquilo que é chato – e como a lucidez anda chata, nem a minha aguento mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário