22 DE FEVEREIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
Os evangélicos fazem bem ao Brasil
É descolado ser ateu no Ocidente do século 21. Para muitas pessoas, acreditar em Deus é cafona, é prova de inferioridade intelectual. Talvez isso possa ser considerado uma vitória da ciência, ainda que cientistas ilustres, como Einstein, manifestassem a crença em um Deus da natureza, um Deus imanente, o Deus de Baruc de Espinosa.
Mas a verdade é que a ciência ocidental passou a destrinchar os mistérios do mundo com bom sucesso, o que foi corroendo a credibilidade das religiões, que antes explicavam tudo. Tome por exemplo a maior desgraça que afligiu as populações europeias na história, a peste negra. Um terço da população do continente morreu de morte horrível por causa da doença. Ante tamanho sofrimento, as pessoas se perguntavam: "Por quê?". E concluíam que aquilo só podia ser castigo divino. A peste era o flagelo de Deus, e a Igreja receitava que as pessoas rezassem muito e pecassem pouco, para se escapar da punição. A ciência, porém, descobriu que os culpados não eram os homens; eram os ratos.
O rato preto indiano hospedava pulgas que, por sua vez, hospedavam a bactéria da peste. Em sua saga de conquista, os mongóis tiveram contato com populações desses ratos, foram mordidos pelas pulgas e se contaminaram pela peste. Durante o cerco à cidade de Caffa, na Ucrânia, esses guerreiros ferozes começaram a morrer da doença. Decidiram se retirar, mas, antes de ir embora, apelaram para a guerra química: jogaram os cadáveres de seus próprios soldados por cima dos muros da cidade sitiada. Deu certo. Caffa quase foi dizimada pela peste, e a praga se espalhou pela Europa.
Tudo absolutamente natural, portanto. A ira divina e os pecados humanos não tinham responsabilidade pela epidemia.
O robustecimento da ciência, assim, foi empurrando as religiões para o terreno da superstição. Até que a própria Igreja Católica se secularizou. Era inevitável que assim acontecesse, devido à própria origem do cristianismo, uma seita judaica que, ao ser adotada por Constantino, se expandiu pelo império romano. A partir daí, a Igreja Católica se transformou em um dos instrumentos formadores do Ocidente, tanto que muitas vezes ela se mesclava e se confundia com instituições mundanas, como o Estado. No momento em que a ciência se consolidou e o racionalismo dominou o Ocidente, também a igreja teve de se submeter às diretrizes da ciência e também ela se tornou racionalista.
O místico perdeu força na Igreja Católica. Por isso crescem as evangélicas. Porque os evangélicos prometem o que todo crente espera de Deus: o milagre. Os evangélicos prometem a cura, o sucesso, um bom emprego, sorte no amor. Eles clamam ao Senhor, como num salmo:
"Sede o rochedo que me abriga,
a casa bem defendida que me salva.
Sois minha fortaleza e minha rocha;
para honra do Vosso nome,
Vós me conduzis e alimentais".
Eles oram e acreditam no poder da oração. E é justamente do que precisam as populações pobres do Ocidente, sobretudo as da América do Sul, tão abandonadas pelo Estado que deveria protegê-las.
Entenda: estou tecendo generalizações, tanto a respeito da Igreja Católica quanto das evangélicas. Estou tentando compreender o que ocorre no geral, não no específico. E é também uma generalização o que direi a seguir: que a imensa maioria dos intelectuais despreza as igrejas evangélicas.
De fato, certas práticas monetaristas de algumas igrejas são bem questionáveis. Ainda assim, creia: as igrejas evangélicas fazem mais bem do que mal ao Brasil. Porque, ao se entregar a uma crença, o cidadão, quase sempre pobre e desassistido, encontra três esteios.
Em primeiro lugar, o apoio de uma comunidade. Ele não está mais só.
Em segundo, ele se deixa subordinar por regras. O ser humano necessita da disciplina para ser feliz.
E, o principal, ele encontra um sentido para a sua vida.
O que seria dessa gente que tão pouco tem, se não tivesse nem a esperança de contar com a proteção de Deus? Você, que é tão racional e descolado, pode desdenhar, pode dizer que milagres não existem. Mas talvez você não saiba que, para muita gente, é preciso que existam milagres para que elas possam continuar a existir.
DAVID COIMBRA
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