20 DE FEVEREIRO DE 2020
L. F. VERISSIMO
Apatifam-nos
"Apatifar", nos diz o Aurélio, significa tornar desprezível, aviltar, envilecer. Pessoas se apatifam, nações inteiras podem se apatifar, ou serem apatifadas. O mundo hoje vive uma assustadora onda de contágio viral que, espera-se, acabará controlada ou, eventualmente, desaparecerá. Já patifaria não mata, mas também contagia, com a diferença de que não tem nem perspectiva de cura.
É impossível observar o Brasil de hoje sem a sensação de estar assistindo a uma pantomima tragicômica, a decomposição de um Estado que, dissessem o que dissessem de governos anteriores - inclusive os lamentáveis - mantinham, pelo menos, a linha, o que é mais do que se pode dizer da atuação de Bolsonaro & Filhos no palco do poder.
Agora se entende por que Bolsonaro insistia em dizer que não houve um golpe em 1964 nem uma ditadura militar nos 20 anos seguintes: ele queria montar o seu próprio regime militar, enchendo o Planalto de generais de fatiota que deixam seus tanques no estacionamento e entram pela rampa principal, rindo da gente. Implícita nessa original tomada do poder está a ideia imorredoura de que só uma casta iluminada, os militares, sabem governar um país.
O apatifamento de uma nação começa pela degradação do discurso público e pela baixaria como linguagem corriqueira, adotada nos mais altos níveis de uma sociedade embrutecida. Apatifam-nos pelo exemplo. Milícias armadas impõem sua lei do mais forte e mais assassino com licença tácita para matar. Há uma guerra aberta com a área de cultura e a ameaça de um retrocesso obscurantista nas prioridades de um governo que ainda não aceitou Copérnico, que dirá Darwin. Aumentam os cortes de gastos sociais além de cortes em direitos históricos dos trabalhadores. Aumenta a defloração da Amazônia. Aumentam as ameaças à imprensa.
E aumenta a suspeita de que na Universidade de Chicago o Paulo Guedes só assistiu às aulas de bobagens para dizer caso a economia não deslanche.
L.F. VERISSIMO
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