segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020




17 DE FEVEREIRO DE 2020

CLÁUDIA LAITANO

Trabalhando com o inimigo


Vale a pena assistir na Netflix ao filme que venceu o Oscar de melhor documentário deste ano, derrotando o brasileiro Democracia em Vertigem. O título, Indústria Americana, não empolga muito à primeira vista, admito, mas o tema é dos mais atuais e interessantes: o embate entre China e Estados Unidos pelo domínio do mundo - ou algo parecido.

Primeira parceria da Netflix com o casal Obama, que bancou parte do projeto, o documentário narra altos e baixos na convivência entre operários americanos e chineses em uma fábrica de vidros na cidade de Dayton, Ohio. Instalada no lugar onde antes funcionava uma unidade da General Motors, a nova empresa pertence a um bilionário chinês que não foi à América a passeio (ao contrário desse mundão de brasileiros que ganham salário mínimo e não saem da Disney...).

Todo mundo, em princípio, torce para que o negócio dê certo. Os americanos porque a fábrica chinesa parece ter caído dos céus para quem estava sem emprego desde o fechamento da GM, em 2008. Os chineses porque querem voltar logo para casa e receberam a missão de fazer a empresa dar lucro o mais rápido possível.

O que pode dar errado? Mais ou menos tudo.

O que parece estar em jogo ali não são apenas as diferenças culturais entre empregados de diferentes nacionalidades, mas dois modelos de capitalismo - com e sem liberdade. De um lado, o modelo americano: as regras trabalhistas, os sindicatos, as demandas individuais. Do outro, o modelo chinês: obediência, disciplina, trabalho duro (em seu país, muitos trabalham turnos de 12 horas e têm apenas duas folgas por mês). A grande ironia é o fato de justamente a China, um país comunista, ter se consolidado como grande potência econômica do século 21 adotando procedimentos inspirados no capitalismo mais selvagem e desregulado do passado - afetando, de uma forma ou de outra, trabalhadores de todas as partes do mundo nos dias de hoje.

Não seria exatamente um spoiler adiantar aqui que, no final das contas, americanos e chineses acabam perdendo espaço na fábrica para a automação. Enquanto boa parte do mundo parece presa ao modelo de pensamento que separa todas as ideias conforme sua visão a respeito de direitos e relações de trabalho, os problemas da vida real insistem em mostrar-se cada vez mais complexos e difíceis de resolver.

CLÁUDIA LAITANO

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