sábado, 22 de fevereiro de 2020



22 DE FEVEREIRO DE 2020
INFORME ESPECIAL

O bode e o machismo endêmico


Se a contabilidade fosse feita, descobriríamos que "Uber" venceu "machismo" no ranking das palavras mais pronunciadas da semana. O caso da menina que foi importunada por um motorista de aplicativo virou notícia no Brasil depois que o shortinho da Anitta entrou para o enredo - o acusado alegou que a vítima usava uma roupa provocativa demais.

Boa parte dos comentários reparte as culpas entre o acusado e a Uber. Não deixa de ser, também, uma forma camuflada de machismo. Tratar o problema como se fosse um tumor pequeno, localizado e facilmente tratável com uma cirurgia ambulatorial se traduz em uma receita simples: linchar virtualmente o infrator, depois acusá-lo de um crime pesado e daqui a algum tempo, se alguém ainda lembrar do caso, botá-lo na cadeia, de preferência para sempre.

O homem errou e seu erro não pode ser relativizado. "Não é não", ainda mais se uma menor de 18 anos estiver envolvida. Mas o motorista de Uber que importunou uma menina pode ser tudo, menos um caso isolado. Acontece nas empresas, nas universidades, nos clubes, na praia, no bar. Acontece dentro dos lares.

Quando todos os dedos apontam para a Uber e os pais, preocupados, anunciam que suas filhas nunca mais usarão aplicativos de transporte, enviamos mais uma vez o bode para o deserto. E lá, sob o sol escaldante do verão porto-alegrense, ele expiará nossos pecados. Poderemos, então, dormir em paz.

TULIO MILMAN

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