Sexualidade, identidade, maternidade e erros
A obra é best-seller do The New York Times e originou a série homônima da HBO
REPRODUÇÃO/JC
Sra. Fletcher (Editora Planeta, 304 páginas, R$ 54,90, tradução de Flavia Souto Maior) é o novo livro de Tom Perrotta. A obra é best-seller do The New York Times e originou a série homônima da HBO, que estreou no final de 2019, com a atriz Kathryn Hahn no papel principal.
Perrotta já teve obras adaptadas para os filmes Eleição e Pecados íntimos e para a série The leftovers (os deixados para trás) e é também roteirista e produtor do seriado. Perrotta nasceu em Nova Jersey e, atualmente, mora nos arredores de Boston, nos Estados Unidos.
Sra. Fletcher acompanha a evolução e o amadurecimento de Eve Fletcher, uma mulher divorciada de 46 anos que se vê sozinha em casa pela primeira vez, depois que o filho único vai para a universidade. Nas primeiras páginas está bem narrado o dia em que o rapaz deixa o lar.
Enquanto vai se acostumando com o ninho vazio, Eve se depara com uma estranha mensagem de texto de um anônimo na internet e a coisa vira fixação. Ela fez novos amigos, inscreveu-se num curso de estudos de gênero, mas a estranha mensagem mexe com possibilidades românticas e com sua vida calma no subúrbio.
Já o jovem Brendan, seu filho, vê que o charme de garoto universitário, que impressiona as meninas do Ensino Médio, pode não ser tão atraente para as colegas da faculdade. Isolado e com notas medíocres, o rapaz tenta se adaptar no campus, onde privilégios para homens brancos não são tolerados.
Quando o outono se torna frio, mãe e filho estão enredados em situações moralmente carregadas, que vêm à tona em uma fatídica noite de novembro.
O romance, com sua linguagem afiada e seu tom espirituoso e provocativo, é uma análise atemporal de temas como sexualidade, identidade e maternidade, e dos grandes erros que as pessoas podem cometer quando não têm mais certeza de quem são - ou a que lugar pertencem.
Para o The New York Times, Sra. Fletcher é o romance mais doce e encantador sobre vício em pornografia e as questões angustiantes de consentimento sexual que você provavelmente lerá.
Coringa, o palhaço pós-moderno
A quase centenária Academia de Artes e Ciências Cinematográfcas, criada em 1927 em Los Angeles, não costuma premiar comédias e comediantes com seus famosos Oscars. Os dois Oscars para o sucesso de bilheteria e de público Coringa mostram que a Academia está antenada, ao premiar Joaquin Phoenix como melhor ator e conceder uma estatueta para a trilha do filme.
Palhaços existem há uns 4.500 anos, desde o antigo Egito, passando depois por China, Grécia e Roma. Palhaços antigos eram líricos, inocentes, ingênuos, angelicais e frágeis. Melancólicos, românticos, bufões, mendigos, caipiras e engraçados, muitas vezes se apresentavam com roupas multicoloridas e adereços de tamanhos desproporcionais.
Os bobos da corte, que muitas vezes eram anões e pessoas com deficiências, ainda por cima tinham por vezes suas espinhas dorsais modificadas para ficarem corcundas e faziam graça para que os reis e poderosos não lhes cortassem as cabeças. Os artistas e palhaços de rua faziam graça para não morrer de fome e, claro, alguns palhaços mais modernos andam por aí, não apenas em circos, mas em mídias eletrônicas, ganhando o leitinho e o caviar das crianças.
Os palhaços do crime surgiram nos quadrinhos e nas telas, mostrando que os tempos são outros, mais violentos. Ao invés de apanhar e até morrer, alguns palhaços matam.
Coringa coloca, com suas cores, máscaras, ações, sons, personagens e objetos fortes, bem mais do que histórias de modernos palhaços assassinos. O filme discute violência, diversidade, doença mental, mídia, desigualdade e coloca em questão os velhos conceitos de "normalidade", se é que existe algum ainda em vigor. O filme coloca na roda questões de comportamento, linguajar, convivência e intolerância.
Num mundo de tantas individualidades, autoridades e personalidades exacerbadas, de tanta exibição, falta de privacidade e delicadeza e de tantas palavras, ruídos, sons, imagens e notícias estonteantes, Coringa definitivamente faz pensar. O palhaço Carlitos do imortal Charlie Chaplin levantou, de outro modo e em outra época, questões semelhantes e mostrou como o humor e a irreverência podem nos dar um mundo melhor.
Grandes humoristas são muitas vezes pessoas sérias, deprimidas, e alguns se suicidaram. Alguns não conseguiram mais rir ou fazer rir para não morrer. Certa vez, um homem foi ao psiquiatra e disse: "estou muito deprimido, não vejo saída, quero morrer, me matar". O médico respondeu: "não faça isso, vá ao circo que está na cidade e verá um palhaço maravilhoso que o fará sorrir". Aí o homem falou ao psiquiatra: "doutor, aquele palhaço sou eu...".
Humoristas, escritores e artistas têm sido alvo de ameaças de morte, atentados, bombas, censuras e outras violências. Há quem aponte limites para os profissionais do riso, quem queira disciplinar as coisas ou quem não ache graça de nada. Quase sempre foi assim na história desse velho mundo.
Rir é o melhor remédio, sem humor a vida fica pequena e triste. Melhor se não houvesse palhaços assassinos na arte ou na vida real.
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