28 DE FEVEREIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
O brigadiano que chorou
O Potter chorou quando viu o brigadiano chorando. Foi de fato uma cena comovente. Você deve ter lido a notícia ou visto a foto: antes do jogo do Inter, quarta à noite, uma das éguas da Brigada Militar sentiu-se mal, chamando a atenção de um soldado acomodado em outra montaria. Ele desceu do cavalo e tentou acudir a égua, afrouxando-lhe a sela. Mas já era tarde. O bicho desabou num tremor de corpo inteiro e acabou morrendo ali mesmo, no pátio do estádio. O brigadiano a conhecia, ela se chamava "Justiceira" e fazia mais de quatro anos que estava na PM. O soldado, vendo sua agonia, sem poder fazer nada, ajoelhou-se a seu lado, levou a mão ao rosto e caiu em um pranto rasgado de soluços. O Potter passava por perto naquele exato momento. Diante do quadro tocante, não se conteve, e chorou também.
Entendo a emoção do Potter. Se o protagonista da cena fosse outro, não um soldado, talvez ele não se abalasse tanto. Porque um brigadiano tem de ser duro, a violência faz parte do seu ofício. Ele tem de se impor, tem de, muitas vezes, submeter à força outras pessoas. Mas ali não havia nada que sequer rescendesse a mando ou arbítrio. Ali havia tão somente um ser humano comovido com a morte de um animal que estimava. O brigadiano, naquele instante, deixou de ser o instrumento de uma instituição, deixou de ser o braço armado do Estado e tornou-se um indivíduo. Tornou-se uma pessoa como você.
O soldado chora pela morte de um bicho do qual gostava. Ele é igualzinho a todas as outras milhares de pessoas que estavam naquele mesmo local, naquela mesma noite, só que sem farda. Como será que este soldado se sente quando é tratado como uma espécie de inimigo natural dessas pessoas que, afinal, são como ele?
Porque é mais ou menos isso que ocorre no Brasil. Trata-se de mais um dos efeitos nefandos das nossas ditaduras. Aqui, o policial é encarado como um elemento repressor que está acima do cidadão, a serviço de governantes que também estão acima do cidadão. Em outros países, o policial é uma autoridade que tem por missão preservar a lei que foi instituída pelo povo através de seus representantes. Ou seja: no Brasil, o policial é um agente do autoritarismo; em outros países, uma ferramenta da democracia.
Essa distinção ficou clara nos episódios de violência ocorridos na Cidade Baixa durante o Carnaval. Algumas pessoas criticaram a Brigada Militar por ter posicionado soldados nas ruas em que os blocos se concentrariam. Segundo esses críticos, a presença da BM seria "uma provocação".
Ora, uma provocação é uma afronta. Você desafia um desafeto ou um rival para que ele reaja e o enfrente. Portanto, a presença da polícia só pode ser provocativa para quem é contra o que ela defende. Isto é: para quem infringe a lei. O cidadão que está dentro da lei não se sentirá desafiado ao ver um policial. Pode se sentir vigiado, pode sentir até certo temor da autoridade; desafiado, nunca.
Estou fazendo um raciocínio acaciano, básico, mas incompreensível para quem ainda se guia pela lógica da ditadura. Para esses, um par de coturnos é tão somente o símbolo da opressão. Mas, na democracia, há, dentro dos coturnos, alguém que preservará as normas instituídas pela sociedade. Alguém que é igual a você. E que poderá até chorar porque perdeu um bicho de estimação.
DAVID COIMBRA
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