sábado, 15 de fevereiro de 2020



15 DE FEVEREIRO DE 2020
MÁRIO CORSO

Valterego

Devemos ao Lacaniano de Passo Fundo, dileto aluno do Analista de Bagé, o conceito de Valterego. Pois o Valterego, ou Valter para os íntimos, é a parte da nossa psique que nos defende. Em outras palavras, é o nosso pequeno advogado interior.

O Valterego encontra-se aboletado ao lado do Superego. Os dois vivem de dar cascudo no Id e empurrar o bagual para o fundo do galpão do inconsciente. Já o ego é quem aparta a briga dos outros três e põe de castigo quem não se comporta. Nós, como pessoa, somos o que sobra desse entrevero.

Quando somos acusados, justa ou injustamente, é o Valter que vem em nosso socorro. É ele que sussurra os argumentos do contra-ataque, que se indigna com gritos e coreografia, que arruma a melhor versão do acontecido, que faz o contorno da omissão, que bola as desculpas furadas, as mentiras descabeladas. Enfim, é uma das mais criativas partes da mente.

Sim, o Valter é um tanto amoral, mas tenta viver sem ele. Do jeito que anda a maldade no mundo, se não souberes te esquivar, vão passar por cima de ti, e dar ré na tropa para passar de novo. Depois te esfolam e dançam uma chula em cima do que sobrou do teu couro. E é na ausência do Valter que acontece o sincericídio, doença grave, quando se entrega a rapadura por nada.

Sabes quando tu escutas aquela de que o cachorro comeu o tema de casa? Pois é o Valter. Já pegaste que o Valter é enfático, teimoso, mas não muito esperto. Ele tenta contrabalançar com energia seu pouco tutano. É persistente: quando vemos, o assunto tem mais volta do que rolo de fumo. O índio do outro lado fica tonto de tanta lorota, já não sabe no que acreditar.

Mas tudo vai do tamanho do Valter. Se sem Valter é ruim, com muito Valter é pior. O perigo é que um vivente, de tanto usar o Valter, vai deixando ele se agrandar. E o Valter vai se aquerenciando nas rédeas do mando e, quando menos esperas, um golpe: o Valter se aboleta na sela do ego e o desbanca. Ele deixou o paisano tão amarrado nas patranhas, que já não pode se virar sem as invencionices.

Saber se alguém está valterizado é fácil. É aquele que sempre tem razão, jamais escuta e já sai falando. Aliás, não fala, dá comício, mesmo para uma só pessoa. O Valter sabe que não tem bons argumentos, então o ataque é a melhor defesa. Vai na grosseria levando a conversa para lugar nenhum. Na sua lógica, ganha quem mais ofende, e o Valter é bom nisso: é seu chão.

A valterização é o avesso da autocrítica e do cuidado com o outro. Quem tem o melhor Valter pode até ganhar as discussões, mas se extraviou do jogo da vida. Trocou a verdade pelo orgulho. Seguirá sendo profeta dele mesmo, berrando para ver se ele mesmo, de tanto repetir, acredita em si.

MÁRIO CORSO

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