Alessandra Negrini, Anitta e MC Gui já foram cancelados na internet; entenda o que é este fenômeno
Movimento é, basicamente, o famoso boicote direcionado a uma personalidade que agiu de maneira preconceituosa, condenável ou polêmica
17/02/2020 - 20h11min
Iarema Soares
IAREMA SOARES
Nelson Antoine / Uol/Folhapress
Alessandra Negrini foi cancelada por se vestir de indígena para desfilar em um bloco de carnaval em São Paulo, no domingo
Ser uma figura pública tem seu preço, que famosos e influencers conhecem bem. Não é raro ler que determinada celebridade foi "cancelada na internet". A cultura do cancelamento (ou call out culture) foi potencializada com a chegada das redes sociais. Esse movimento é, basicamente, o famoso boicote direcionado a uma personalidade que agiu de maneira preconceituosa, condenável ou polêmica.
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Já foram alvo de "cancelamento" famosos como Anitta, depois de defender Nego do Borel, que tinha sido cancelado por ter feito comentários considerados transfóbicos para Luisa Marilac, que é transexual, e MC Gui, após postar vídeos gravados em uma viagem à Disney em que ri de uma criança. O caso mais recente é o da atriz Alessandra Negrini, que se vestiu de indígena — com body preto, cocar e pinturas corporais — para desfilar em um bloco de carnaval em São Paulo, no domingo (16). Ela foi acusada de apropriação cultural por usuários do Twitter.
Durante a tarde desta segunda-feira (17), a atriz publicou uma sequência de três fotos com pessoas de origem indígena na sua conta de Instagram. Uma delas é com a líder indígena Sonia Guajajara, registrada durante o desfile do bloco. Alessandra agradece pela parceria de Sonia. Ela também publicou foto com o artista plástico indígena Benício Pitaguary, que teria sido o responsável por pintar o seu rosto. A atriz estava acompanhada, no bloco, de um grupo de indígenas, segundo o G1.
O ato de cancelar celebridades ganhou fama em 2017, com o movimento #MeToo, que tem como propósito denunciar casos de assédio cometidos por homens de projeção em suas carreiras. O principal objetivo deste ato é fazer com que a pessoa alvo do cancelamento perca sua relevância cultural e patrocínios, explica Melissa Lesnovski, coordenadora do curso de Comunicação Digital da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos).
— O boicote a alguém sempre existiu, mas as redes sociais potencializaram o contato dos fãs com seus ídolos. Agora, o acesso à vida das celebridades é diário, a fronteira com o público se tornou mais porosa, e ser alvo da admiração ou da ira dos fãs se tornou imediato. Quando o ídolo faz algo condenável, o público vai exigir retratação e pressionará os patrocinadores desta pessoa para que o contrato seja rompido — pontua.
Angelo Brandelli, professor do programa de pós-graduação em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diz que as redes sociais incendiaram a reação das pessoas em relação àquilo que é entendido por elas como polêmico ou ofensivo. Além disso, observa que o movimento surge como uma tomada de narrativa por parte dos grupos minorizados:
— Antigamente, tínhamos poucos canais de comunicação, e a narrativa predominante nesses espaços era especialmente a dos homens brancos, que inferiorizavam e, muitas vezes, ridicularizavam negros, gays, mulheres. Com a internet, esses grupos passaram a tensionar essa narrativa e se propuseram a romper com estes estereótipos degradantes. Por isso, não é mais admitido, com passividade, que pessoas brancas se fantasiem de determinada raça ou etnia, por exemplo.
Ciberativismo
Brandelli considera este um aspecto positivo do movimento — a possibilidade de colocar em pauta a insatisfação e outros pontos de vista em cena —, mas ressalta que, no caso da atriz, o boicote não contribui para uma a agenda macropolítica.
— Há diversos problemas estruturais no Brasil. Assinar uma petição online, usar hashtags e cancelar pessoas não é (o melhor) ativismo. Isso pode provocar a sensação de que se fez algo produtivo, mas esse tipo de ciberativismo, a médio prazo, não leva a lugar nenhum. O ativismo real requer luta, lidar com ambiguidade e fazer coalizões. O cancelamento é antipedagógico — diz o professor da PUCRS.
Melissa faz coro à afirmação e diz que a atitude gera micropolarizações entre as pessoas:
— Obviamente, não precisamos ter tolerância com racismo, machismo, LGBTfobia entre outras situações de crime, mas se colocar como antagonista de alguém de quem discordei em um ponto específico faz com que aumente a intolerância e diminua a possibilidade de diálogo.
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