sábado, 29 de fevereiro de 2020



29 DE FEVEREIRO DE 2020
MONJA COEN

Pós Carnaval

Dizem que o Brasil só começa a funcionar após o Carnaval. E você? Está funcionando? O que seria funcionar? Trabalhar, estudar, brincar, dançar, cantar, passear, ser?

Vida é movimento e transformação. O Carnaval acabou. Passou. Houve alegrias e tristezas. Expectativas.

Houve quem estivesse filmando uma cena em grande alegria e záz! Celular roubado das próprias mãos. Correria.

Alguns conseguiram recuperar. Outros não. Alegria foi embora. O sorriso desapareceu da face. Aflição. Raiva. Tristeza. Tudo em milésimos de segundos. Transitoriedade. Vazio de identidade fixa e permanente.

Fiz dois retiros. Um durante o Carnaval. Silenciando a mente, aquietando o corpo.

Os primeiros dias são sempre difíceis. Sem celular, sem TV, sem jornais, sem notícias.

Na Quarta-feira de Cinzas, vim para Porto Alegre, pois na quinta dei início a outro retiro - o pós-Carnaval, em São Leopoldo. Neste sábado, encerramos esse encontro de meditação organizado pela Monja Kokai Sensei do Zen Vale dos Sinos. Sentar e ouvir, ver, sentir, perceber que nada tem uma autoidentidade substancial independente e separada.

Antes do Carnaval, fui convidada a abrir o desfile da Mangueira, no Rio. Não pude ir. Estava em Zazen - sentada em meditação com um grupo na Comunidade Zen Budista de São Paulo. No Vila Zen, em Viamão, outras 50 pessoas se sentaram, com a Monja Shoden Sensei. Por todo o Brasil, grupos budistas organizaram retiros de silêncio em meditação.

Não fui ao Rio, mas estive junto com os 20 religiosos, de espiritualidades diferentes, que caminharam pela avenida antes de a Mangueira entrar. Respeito ao samba-enredo de Jesus de Nazaré.

Alguns dias antes, em São Paulo, fui convidada a um musical sobre Sidarta Gautama - o Buda histórico. Atores, cantores e bailarinos yoguis encenaram um espetáculo único e belíssimo - ensinamentos sagrados revelados não por monges e monjas, leigos ou leigas budistas, mas por artistas. Roupas coloridas, cenário simples. O grupo viaja o mundo. Já passaram por 17 países.

A figura de Buda bebê, jovem, adulto, idoso, morto. E o contínuo de sua vida em seus discípulos e discípulas.

Arte popular dá vida a seres sábios e sagrados da antiguidade. De repente lá estão eles, bem à nossa frente. Como se manifestariam hoje?

Uma senhora indígena sugeriu - a quem se fantasiasse de índio/a - que não esquecessem do sangue, dos buracos de bala no corpo ou da corda no pescoço dos jovens suicidas... Há tanto sofrimento no mundo.

O voto superior de um discípulo ou discípula de Buda é de se dedicar a que todos os seres despertem para a Sabedoria Perfeita. Que todos os seres alcancem a consciência iluminada universal. Não é uma prática centrada em si, na sua própria salvação. É a prática de facilitar o despertar da humanidade.

Pós Carnaval, a folia acabou. A vida continua fluindo. Podemos refletir e facilitar para que toda a humanidade, todos os seres conscientes possam ter suficiência, ternura, sabedoria e compaixão ilimitadas. Quando percebemos o vazio, a transitoriedade, não nos afastamos da realidade dos que sofrem e precisam de apoio.

Por isso renovo meus votos:

"Seres são inumeráveis, faço o voto de salvá-los. Apegos são inexauríveis, faço o voto de extingui-los. Portais do Darma são ilimitados, faço o voto de aprendê-los. O Caminho de Buda é insuperável, faço o voto de me tornar esse caminho".

Mãos em prece

MONJA COEN

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