19 DE FEVEREIRO DE 2020
DAVID COIMBRA
A cadeira de plástico
Se penso nas mazelas de Porto Alegre, sempre me ocorre a mesma questão: "A cadeira de plástico é inevitável?".
Poderia acrescentar aí também a mesa de plástico e, Cristo!, o copo de plástico. Admito que já me vi assim, e não poucas vezes: sentado em uma cadeira de plástico, em frente a uma mesa de plástico, tendo sobre ela um copo de plástico e uma garrafa de cerveja invariavelmente contida dentro de um triste cooler de? plástico.
Por que, meu Deus?
Sei o que responderão: porque é barato. Cadeira, mesa e copos plásticos, bem como tantos outros objetos desse material maldito, saem mais em conta e são insuportavelmente duráveis, levam séculos para se decompor. Mas será que vale a pena? Será que uma cadeirinha de palha e uma mesinha de imitação de madeira custam tanto a mais? Não é melhor pagar um preço levemente maior por algo que seja imensamente melhor no conforto e na estética?
Tais ponderações não são feitas por quem confunde pobre com pobreza. Para esses, o pobre se contenta com o ruim e o feio, desde que gaste menos. Se é obra para pobre, não precisa o arremate de delicadeza, não precisa a curva do requinte. Pode ser tudo reto, duro e cinza, se for barato.
Essa estética da pobreza devastou Porto Alegre e, como já disse ontem, isso nem foi culpa apenas das administrações públicas. Isso se transformou numa crença. Numa filosofia.
Até os anos 1960, Porto Alegre era uma cidade de óbvia inspiração europeia, com alguns surpreendentes arrojos arquitetônicos, como o Viaduto da Borges, que é diferente de todos os outros viadutos. O da Borges se integra com harmonia ao seu naco de cidade, se ergue com leveza e inclui os pedestres em sua concepção. Os demais, levantados com fúria pelas administrações das décadas de 1970 e 1980, são assassinos da paisagem urbana.
Foi por volta dos anos 1970 e 1980, aliás, que se cometeu o grande erro da Salgado Filho.
Essa avenida era um bulevar refinado, dava gosto de flanar por suas calçadas reluzentes de belas vitrines ou por seus canteiros arborizados. A Salgado Filho tinha cinema de rua, tinha bares, tinha animação. Aí, algum bidu decidiu que ali era o lugar ideal para acomodar os pontos finais dos ônibus. Assim, monstrengos de lata passaram a obstruir as fachadas das lojas, que perderam clientela e foram fechando uma a uma. O raciocínio (equivocado) era de que os usuários de ônibus (os pobres) se beneficiariam desembarcando numa das artérias mais importantes do Centro. Na verdade, os pobres foram prejudicados, porque perderam emprego com o fechamento das lojas, além da perda de um belo local de convivência.
Depois, no final dos anos 1980 e começo dos 1990, os camelôs foram se adonando da Rua da Praia, a mais importante do Rio Grande do Sul. Como eles eram pobres e dependiam daquele comércio para sobreviver, a prefeitura não somente os tolerou, como os legalizou. Quem perdeu? Os pobres que ficaram sem trabalho na Casa Massom, na Livraria do Globo, na Sloper e tantos outros pontos comerciais que pagavam impostos e foram à bancarrota porque os fregueses simplesmente não conseguiam entrar em seus estabelecimentos.
Lembro de velhos dezembros, de anos dourados, quando meu avô, de repente, anunciava:
- Vamos passear na Rua da Praia!
E nos reunia a todos e lá íamos nós, e nos admirávamos com a beleza das vitrines natalinas como só fiz de novo décadas depois, na Quinta Avenida, em Nova York.
Sim, senhor, Porto Alegre era um pouco de Nova York.
Mas Porto Alegre se submeteu à ideia de que o que é bom e belo não é para o pobre. E, assim, a cidade se contaminou com a maior pobreza de todas: a pobreza de espírito. Terrível. Porque não existe miséria maior do que um espírito pobre.
DAVID COIMBRA
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