quinta-feira, 2 de outubro de 2014


02 de outubro de 2014 | N° 17940
MÁRIO CORSO

Happy Harbor

– Não, senhor, Bois de Boulogne não é uma raça de gado de corte nem de leite.

– Não, senhora, não é um molho, é um bosque em Paris, mas não me pergunte como se pronuncia. Aliás, estamos dando desconto para quem souber pronunciar o nome desse edifício.

Essas falas podem ocorrer na compra de um apartamento, mas nunca de uma sala comercial, pois essa será no Wall Trade Corporation Tower Prime Building. Ou coisa que o valha, que, mesmo com todo esse nome, talvez tenha apenas quatro andares.

Os nomes dos nossos imóveis comerciais tendem ao inglês, e os residenciais têm mais liberdade criativa, mas o francês comparece com maior frequência. É Maison pra cá, Petit Village para lá. Confira você mesmo – a leitura dessas propagandas de lançamento em sinaleira pode ser bem divertida.

Até se conseguem imóveis com nomes em português, mas são mais baratinhos, vocês me entendem. Chic mesmo é uma engronha que a gente não pesca bem, mas que tem web space, fitness center, smart laundry, indoor pool, home theater, playground, petspace enfim, algo para você que tem lifestyle. Você compraria um apartamento onde nem ao menos existe um espaço gourmet? Sem falar no kids space com área baby?

Sabe o térreo? Isso não existe mais, agora é Apartamento Garden. E quando os atributos são em português é necessário um tradutor de eufemismos. Encontrei em um anúncio o “sistema de segurança perimetral eletrônica” e pensei logo em robôs circulando, mas era só uma cerca elétrica. Já achei no catálogo de um imóvel a promessa de um wireless totalmente sem fios. Imagine, deve ser fantástico!

Houve quem quisesse proibir anúncios e impressos com palavras estrangeiras, o que acho que cai no outro extremo. Às vezes, é mesmo necessário e não há mal algum em usar uma palavra estrangeira quando não encontramos similar, ou de mesma precisão, no léxico pátrio. A questão é outra, aqui o uso e abuso de estrangeirismos serve para dar valor a um produto que se tivesse toda essa bola não precisaria desse truque.

Enquanto criticamos os Maiquisons, as Dienifers e Sheyslenes que nascem no subúrbio, moramos em prédios com nomes que também são uma versão brega de usar outro idioma para tentar nos autoenobrecer. Quanto menos sobrenome alguém acha que possui, mais supõe que o nome do filho precise se impor como ímpar. Nos imóveis vale o mesmo raciocínio: para esconder nossa jequice, os batizamos com termos em outra língua.


Meu receio é que, se continuarem a construir edifícios com esses nomes, com tantos acessórios e supostas possibilidades, talvez queiram trocar o nome da nossa cidade para Happy Harbor. Menos mal, já que a outra possibilidade seria Gay Harbor, evocando algo que ainda deixa muita gente, chique ou brega, melindrada.

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