01 de junho de 2014 | N°
17815
MARTHA MEDEIROS
Mulher escrevendo enquanto toma
chá
Sempre fico insegura na hora de intitular o que
escrevo. Meus poemas nunca tiveram título. Nos livros, é a última coisa que
escolho (em meio a dúvidas infinitas). E os das colunas refletem a minha
preguiça: deveria me esforçar mais para atrair a atenção do leitor, mas depois
de já ter me dedicado o suficiente na elaboração do texto, o título é praticamente
um resumo do assunto tratado, sem nenhuma acrobacia literária ou jornalística.
Isso explica o fato de eu admirar
a simplicidade do título de inúmeras telas expostas nos museus do mundo. São
praticamente legendas: Vista de Paris do Apartamento de Theo é o nome do quadro
em que Van Gogh mostra os telhados que seu irmão, Theo, vislumbrava todos os
dias, ou Campo de Trigo com Cotovia, onde o mesmo Van Gogh, com suas pinceladas
geniais, mostra o quê? Um campo de trigo sendo sobrevoado por uma cotovia.
Nenhuma charada, nenhuma metáfora, nenhuma gracinha. Van Gogh pintou a si mesmo
usando um chapéu de feltro: qual o nome da tela? Autorretrato com chapéu de
Feltro. Para que inventar?
É como se a obra dissesse:
acredite no que você está vendo. Jovem Camponesa com uma Enxada (Jules Breton),
Casa ao Lado da Ferrovia (Edward Hopper), Criança Brincando com um Caminhão
(Picasso). Não há dúvida, você está vendo uma camponesa, uma casa, uma criança.
E a partir daí, está liberado para descobrir que aquela camponesa é especial,
com seu dedo apoiado na face, pensativa em meio ao descanso da lida. E que
aquela casa não é uma casa qualquer, mas um ícone da solidão rural diante do
crescente progresso. E que aquela criança brincando com um caminhão não é um
menino, e sim uma menina, e que os traços decorativos atrás dela não fazem
parte de um papel de parede: representam um jardim.
O nome que damos às coisas é
apenas um identificador sem maior importância. O que importa é nosso olhar e
nosso foco: tudo é único. Cada coisa, cada pessoa, cada gesto, cada segundo é
rico de significados e irreproduzível.
Mulher Deitada Lendo. Pelo menos
uns 279 artistas poderão pintar um quadro com esse título e veremos 279
representações individuais sobre o mesmo tema. Até mesmo um traço horizontal
com um asterisco na ponta pode significar uma mulher deitada lendo.
O título está ali apenas para nos
pegar pela mão e nos levar para dentro – de um quadro, de um texto ou até da
vida de alguém. Não por acaso, é a primeira coisa que perguntamos diante de um
desconhecido: qual o seu nome? E a partir dali aquela Maria Fernanda ou aquele
João Paulo terão nos dado a senha para criarmos uma história da qual faremos
parte também.
Você pode me ver agora? Uma
mulher escrevendo enquanto toma chá de maçã. Sim, é de maçã. Como não é uma
tela, e sim uma página de jornal, não pude me alongar. Mas a partir desse
título simplório você pulou para o lado de cá.