terça-feira, 18 de junho de 2024


18 DE JUNHO DE 2024
NÍLSON SOUZA

O poder do impresso

Sempre sofro quando morre um jornal, como ocorreu na semana passada com o centenário Diário Popular, de Pelotas. Na sua última edição, o bravo periódico saiu com uma capa totalmente preta, com as datas de fundação e extinção em números brancos abaixo do logotipo, exatamente como se fosse um anúncio fúnebre. Vi a imagem numa rede social, no formato digital. Não pude deixar de pensar que a vítima estava usando a visibilidade do carrasco para anunciar a própria morte.

Não sei por quanto tempo os jornais de papel vão resistir à atração sempre crescente do público pela instantaneidade e pela interatividade das telinhas luminosas. Nesse contexto, me consola a constatação de que o jornalismo resiste, até porque a cada dia faz melhor uso da tecnologia para levar aos cidadãos informações verdadeiras e opiniões plurais, em contraponto às publicações irresponsáveis, anônimas e mentirosas que proliferam no meio digital. Além disso, não ignoro que os impressos têm leitores fiéis e que os jornais mais inovadores flertam de forma promissora com os jovens.

Mas tem um aspecto do velho jornalismo impresso que ainda me parece insubstituível: o registro histórico, organizado e confiável dos fatos. As pesquisas eram trabalhosas, mas, com os avanços da digitalização, hoje podemos consultar facilmente coleções de jornais antigos e recuperar de suas páginas acontecimentos passados, com a sensação de termos praticamente presenciado os fatos descritos. Recentemente, muitos de nós tivemos a oportunidade de reviver a enchente de 1941 em Porto Alegre, por meio de imagens e descrições precisas retiradas dos jornais da época. Por isso, quando um jornal morre, fica a impressão de que a própria História está sendo interrompida.

O texto impresso tem o poder da permanência, um poder quase sobrenatural. Veja-se, por exemplo, a recente descoberta feita por um pesquisador brasileiro numa biblioteca de Hamburgo, na Alemanha. Ele e seus colegas de pesquisa toparam com um fragmento de papiro egípcio do século 4 ou 5, digitalizado, com um registro sobre a infância de Jesus Cristo, retirado do evangelho de São Tomé. 

Aos cinco anos, brincando na beira de um lago, o menino moldou 12 pardais de barro. Quando seu pai José observou que ele não devia estar em atividade num sábado sagrado, o garotinho bateu palmas e os pássaros voaram, ganhando vida. A história da vivificação dos pássaros não está na Bíblia, mas é tão encantadora que merecia mesmo atravessar os séculos até sair nos jornais.

NÍLSON SOUZA

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