segunda-feira, 11 de janeiro de 2021


11 DE JANEIRO DE 2021
CÍNTIA MOSCOVICH

O livro do homem-livro

Um livro em essencial estado de literatura, sem nenhum elemento que venha a transcender a carne do texto. Essa é a intenção da obra mais recente do poeta multimeios Fabrício Carpinejar, livro lançado nos últimos dias de 2020 e que traz na capa nada mais do que o sobrenome do autor aplicado em verniz cinza sobre preto fosco - só se sabe que a editora é a Bertrand Brasil na folha de rosto.

Sem título, orelhas, prefácio, texto de apresentação ou de contracapa, o leitor é movido pelo instinto de curiosidade para dentro da edição (que é elegantíssima). Assim, como se o nome Carpinejar valesse como uma espécie de curinga, o autor apresenta 60 poemas curtos e curtíssimos que se ocupam da morte, da velhice e das relações familiares, temas que vem explorando desde sua estreia com As Solas do Sol, de 1998.

Escrito no terror do ano em que conhecemos a pandemia, contendo ecos evidentes da surpresa e do medo, sem que, com isso, se torne datado, o novo livro faz um contraponto com Colo, Por Favor, reunião de crônicas também escrita e lançada em 2020 e que era um alento para os confinados. Num tom de tristeza, que jamais deixa de ser intensamente belo, o autor explica a solidão ("Na dor / queremos a casa vazia / para chorar dobrados no corpo") e brinca com as manias dos velhos ("Os mortos estão apenas / interessados / em ler notícias velhas. / Os velhos estão apenas / interessados / em ler notícias mortas").

Como escreveu o jornalista Alexandre Lucchese nesta Zero Hora, Fabrício também concede esperança a seus leitores, aquela que reside nas lembranças de infância e do convívio em família, espaços de respiros luminosos mas também de muita ironia ("Nenhuma família é confiável/ mas ainda é sua melhor opção").

Com mais de 40 livros publicados, vários prêmios literários no currículo, Fabrício volta aos poemas depois de um intervalo de cinco anos e num dos períodos mais críticos da humanidade. Talvez por isso, por produzir no caos, tenha investido na nudez de sua própria poesia, dando aos leitores a possibilidade que cada um a possua do jeito que bem entender.

CÍNTIA MOSCOVICH

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