26 DE JANEIRO DE 2021
ARTIGOS
LITERATURA E O HINO DO RIO GRANDE DO SUL
Em 1967, Roland Barthes publicou o ensaio "A morte do autor", em que defende que as intenções de um escritor não são lá muito importantes para a interpretação de uma obra literária. Sabe aquela aula de literatura em que você estudava a biografia de um autor para compreender o trabalho dele? Pois é. Para Barthes, isso não é importante: a interpretação de um texto literário é fundamentada, basicamente, na língua em que ele é escrito.
Em outras palavras, se existem palavras, e elas estão organizadas de acordo com um sistema linguístico, a interpretação que um texto permite derivar é suficiente para que ele seja, bem, interpretado. Não foi isso que você quis dizer, autor? Que pena. Se o texto permite uma interpretação, não há nada que você possa fazer.
Antes de Barthes, em 1916, foi publicado o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure. Nele, são apresentados os conceitos de diacronia e sincronia. Enquanto a diacronia compreende o estudo de uma língua através do tempo, isto é, sua evolução, a sincronia compreende seu estudo em um dado momento. Para Saussure, mais importante era a sincronia, pois o falante de uma língua não tem registrada em sua memória as mudanças pelas quais ela passa.
Na pedagogia, por exemplo, há quem critique a palavra "aluno" porque, suspostamente, significaria, no latim, "aquele que não tem luz". Ainda que isso seja verdade, é com esse significado que a palavra hoje é usada?
Apresento essas visões na tentativa de colocar alguma luz sobre a questão do racismo no Hino do Rio Grande do Sul. Muito se tem buscado a História para se elucidar essa questão, mas será que não devemos lembrar que nosso hino é poético? Que a palavra escravo é polissêmica? Que, ainda que se possa confirmar uma origem racista, ele não necessariamente deve assim ser interpretado?
Diz o dicionário Michaelis sobre a palavra escravo: "Condição de falta de liberdade; submissão a uma autoridade despótica; condição daquele que se encontra sob o domínio ou na dependência de uma droga, paixão, ou de qualquer vício".
Nessa questão, talvez fosse mais sábio lembrarmo-nos de Barthes: "O nascimento do leitor deve pagar-se com a morte do autor".
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