sexta-feira, 15 de janeiro de 2021



15 DE JANEIRO DE 2021
CELSO LOUREIRO CHAVES

Hinos

Uma das obras mais deslumbrantes do compositor Stockhausen é Hinos. Composição de música eletroacústica, com sons criados do nada a partir de geradores eletrônicos, é bem coisa da vanguarda dos anos 1950, da qual Stockhausen é um dos representantes - ou, melhor: um dos criadores. Hinos foi feita já nos 1960, quando a vanguarda prosseguia, mas envelhecia. Era música que vinha a calhar para uma década de revoluções, guerras e Beatles.

Em Hinos, os sons eletrônicos embaralham quarenta hinos que Stockhausen escolheu para serem amassados, transformados, distorcidos, quase irreconhecíveis. Até o hino do Brasil ia entrar na dança, mas terminou ficando de fora dessa maçaroca antipatriota e cheia de subtextos ideológicos, que faz o que quer com os hinos mais venerados, desde a marselhesa dos franceses até as estrelas e listras dos norte-americanos.

Os sons de Hinos são mesmo deslumbrantes, mas há que ter paciência: são duas horas de música, às vezes com orquestra, às vezes só com cinco músicos, a música eletrônica sempre presente. E os hinos todos transformados em caos sonoro. Lá dos 1960, Stockhausen parece nos dizer: "Façam o que quiserem com seus hinos, eles não são de pedra". Então é possível, digamos, mudar a letra de um hino?

Claro que sim! Principalmente se a letra, já horrorosa na origem, foi ultrapassada pelas circunstâncias e tornou óbvios subtextos inaceitáveis para os tempos que correm. Tipo: o Hino Rio-Grandense, coisa bem mais recente do que os hinos de Stockhausen. Aliás, a história de como ele foi fixado, quase que por comitê no século passado, é contada por Antônio Corte Real no seu Subsídios para a História da Música no Rio Grande do Sul publicado em 1980 e 1984.

E, ao mudar a letra do hino, há que lembrar de encaixar as palavras na música, além de encaixar o texto no espírito do tempo. Música com letra geralmente se pensa a partir das palavras, mas não se pode ignorar que há o sobe e desce da melodia para cantar, os ritmos para acentuar. Isso não pode ser esquecido agora que se tem a chance de fazer com que a "aurora precursora" se transforme em outra coisa, certamente mais compreensível e decididamente menos ofensiva.

CELSO LOUREIRO CHAVES

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