13 DE JANEIRO DE 2021
LARISSA ROSO INTERINA
O que não presta
Famílias têm idiomas próprios, com dicionários informais de palavras e expressões. A minha consolidou uma resposta que tia Talita costuma dar no início das conversas.
- Tudo bem, tia?
- Tirando o que não presta, tudo bem - especifica ela.
Para a esguia senhora de 87 anos, boa parte deles passados atrás do balcão de um armazém, vendendo "pão de quarto", salame e martelinho de cachaça, o conjunto de queixas é numeroso: dores pelo corpo, dificuldade para caminhar, isolamento, perdas sucessivas que a velhice impõe aos que ousam avançar pelos calendários da vida.
Depois de um 2020 implacável e com um 2021 que não respeitou nem a folga dos geralmente apáticos dias iniciais de janeiro, confesso: roubei a expressão dela, sempre dando o devido crédito, nos momentos mais angustiantes e desafiadores desta ditadura do coronavírus. Começo as conversas com um "tudo bem, na medida do possível?" e, se o interlocutor é alguém mais próximo, apelo ao "tirando o que não presta, tudo bem" quando a pergunta volta.
Minha lista de desgostos vem se ampliando há quase um ano - todos sabemos o mês em que nossas existências foram empurradas à força para outra dimensão. Mergulhada no noticiário, destaco o que me perturba: mais de 200 mil mortes, negacionismo, zero bom senso e empatia, falta de planejamento e reação de autoridades diante da tragédia, inexistência de campanhas educativas consistentes, defesa e distribuição do ineficaz "kit covid", medo, aglomerações, festas clandestinas, movimentos antivacina, uso errado da máscara (no queixo, no pescoço, abaixo do nariz, na mão, no bolso), notícias falsas, desemprego, pratos sem comida, profissionais de saúde exauridos.
Mas há sempre no que se amparar, e temos que ficar atentos e nos reabastecer com doses de otimismo e esperança - questão de sobrevivência. Os laços de amizade e amor que resistem sob os rigores da pandemia são preciosidades.
Há um esforço global inédito da comunidade científica, da indústria farmacêutica e de órgãos regulatórios para que vacinas contra a covid-19 possam ser desenvolvidas e distribuídas em tempo recorde. Nunca jornalistas, médicos e cientistas dialogaram tanto para traduzir ao grande público um universo de conceitos superespecializados. Infectologistas, intensivistas, epidemiologistas, imunologistas, entre tantos personagens fundamentais, tornaram-se celebridades, disseminando informações corretas a milhares de seguidores nas redes sociais. Acompanho a divulgação dos dados de eficácia de um imunizante como se fosse a reta final de uma novela boa.
Já estamos quase fechando a primeira quinzena do mês, mas ainda cabe desejar um feliz 2021. Com saúde, vacina, seringa e agulha.
*O colunista David Coimbra está em férias e retorna no dia 15/01 -LARISSA ROSO - INTERINA
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