16 DE JANEIRO DE 2021
MARCELO RECH
O vento mudou
O refluxo na maré populista-ególatra-autoritária que varreu uma parte considerável do planeta na última década tem local, data e horário para o marco inaugural de novos tempos à frente. Às 14h da próxima quarta-feira, nas escadarias do Capitólio, o juramento de posse de Joe Biden representa muito mais do que uma troca de comando na nação mais poderosa da Terra. Por seu peso e significado, ele delimita o instante em que as correntes do “eu primeiro”, do nacionalismo exacerbado, das mentiras e conspirações e do estímulo ao ódio como forma de conquistar e manter o poder começam a deslizar para o acostamento da História.
A posse não tem o condão de reverter instantaneamente, e em escala mundial, a política do rancor. Primeiro, Biden precisará absorver e neutralizar a cólera provocada pelo cultivo da desavença que rachou os Estados Unidos em duas metades que mal se falam e não se reconhecem mutuamente.
Apesar dos obstáculos, a Europa do pós-guerra comprova que a reconciliação é possível – e que a períodos de guerra e ódio intensos podem se seguir eras de prosperidade e grandes avanços da civilização. Dois exemplos: Alemanha e Japão, países nos quais a ambição e o desprezo por outros povos foram levados ao extremo, transformaram-se em símbolos da defesa da paz, da civilização e da estabilidade econômica mundial.
Como ocorre nos ocasos de períodos atribulados, o traumático e melancólico crepúsculo do governo Trump acelera as mudanças dentro e fora dos Estados Unidos. Com Biden na Casa Branca, saem as ofensas e humilhações de adversários, entram o diálogo e o respeito por posições contrárias. Saem também a impulsividade, a agressividade e a idolatria como forma de fazer política e volta-se a uma era de equilíbrio e moderação, que, pela força dos EUA, tende a isolar ainda mais os remanescentes do trumpismo.
Ainda é cedo para se definir como a Era Biden de ponderação e racionalidade vai impactar o Brasil, mas a nação é muito maior do que seus governos – sejam eles à esquerda ou à direita. É previsível, porém, que Jair Bolsonaro não terá vida fácil com os ventos da mudança que varrem o planeta. No tabuleiro externo, nem potenciais aliados fazem questão de ostentar proximidade com um presidente que desdenha de vacinas e vira o rosto para a devastação da Amazônia.
Para o imenso Brasil distante dos desvarios emanados do Planalto, o mais recomendável é reforçar a separação entre governos e nação. Tentar não ser desembarcado do comboio da História e deixar na estação o Brasil que trata discordâncias à base de pancadarias pelo Twitter já seria um bom alento.
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