27 DE JANEIRO DE 2021
MÁRIO CORSO
Uma vida maiúscula
Não posso reclamar da minha saúde. Conheci hospital como paciente aos 60, para operar um pé machucado jogando futebol. Primeira experiência com muletas e acessibilidade.
Na época, usando Uber, algo saltava aos olhos. Quem já tinha passado pela condição de pós-operado era mais solícito do que os outros. Incrível o número de homens que já sofreram fratura. Geralmente por futebol ou motocicleta. Estes estacionavam mais perto, abriam a porta, ajeitavam o banco. Para os que não tinham passado por isso, eu era um cliente comum. As muletas não os comoviam. Somos assim, raramente desenvolvemos empatia fora da experiência.
Minha memória não me ajuda a saber onde li sobre uma experiência, que julgo instrutiva. Denomino-a de: "A Casa do Gigante". A receita é simples, é um local construído simulando uma residência normal, só que nele um homem médio se sente como se tivesse o tamanho de uma criança de um ano e pouco, quando começamos a caminhar. Ou seja, temos de volta a vivência esquecida de quando podíamos olhar uma mesa apenas por baixo, e o resto está fora do nosso olhar e alcance.
O pessoal de Gramado e Canela, sempre inventando, poderia fazer uma. O propósito é ressuscitar a experiência infantil para nos darmos conta da fragilidade original de cada um. Sentir outra vez o que é ser pequeno em um mundo de gigantes.
Mas esta conversa toda é para falar que existem os que são forçados a passar a vida na terra dos gigantes. Terminei de ler um livro imperdível para quem se preocupa com a questão da acessibilidade: E Fomos Ser Gauches na Vida (Editora: Pubblicato 2020). No qual Lelei Teixeira conta sua vida e as dificuldades que passou por causa do nanismo.
Os problemas nunca foram da condição em si, para tanto existe a acessibilidade, mas da insensibilidade alheia. Ela teve a sorte de ter uma família inclusiva, já o nosso mundo nunca cessou de lhe enviar a mensagem de que só existe um tamanho para se ter quando se é adulto.
Acessibilidade é item raríssimo em nossos lugares públicos, dos antigos nem se fala, os novos só fazem o que a lei obriga, mínimo dos mínimos para garantir o alvará. Recém estamos percebendo a obviedade das pautas que preconizam coisas simples, como rebaixamento de calçada, vagas para cadeirantes, sinalização para deficientes visuais e outros tantos itens que as pessoas que convivem com essas dificuldades podem apontar. Uma cidade inclusiva é uma mudança de paradigma, certamente sinal de que evoluímos um pouco como comunidade.
O livro é leve, ela não se apresenta nem como vítima, nem como heroína. Mas é um depoimento de como ter força para seguir adiante quando o vento é contra. Como ter uma vida rica apesar da falta de empatia da maioria. Como ter uma vida maiúscula sendo pequena.
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