sexta-feira, 29 de janeiro de 2021


23 DE JANEIRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

OITO ANOS DE IMPUNIDADE

Na próxima quarta-feira, dia 27 de janeiro, completam-se oito anos da morte de 242 pessoas no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, sem que o julgamento dos acusados tenha sido realizado. A tragédia não foi obra do acaso, e sim a consequência de uma série de omissões e de incompetências que permanecem, tanto tempo depois, impunes.

Uma sociedade democrática não pode permanecer indiferente a tanta morosidade, alimentada pelo mau uso do chamado amplo direito de defesa e pela lentidão das instituições, o que enfraquece a própria essência da Justiça. Julgar os acusados é muito mais do que um ato de vingança. É imperioso indicar de forma inequívoca que a tentativa de diluição das responsabilidades não exime pessoas e instituições da culpa. Nesse caso, o tempo joga a favor do esquecimento e, em consequência, contras as vítimas, seus familiares e amigos.

De fato, a tragédia da Kiss provocou mudanças concretas nos padrões legais que regem o funcionamento de locais públicos com grande afluência de público. Saídas de emergência hoje são sinalizadas e placas indicando a lotação máxima dos espaços se tornaram mais visíveis. Mas isso não é suficiente diante da dimensão da dor e da irresponsabilidade criminosa que se beneficia, há oito anos, do zigue-zague processual pelos escaninhos do Judiciário. Diz-se, com absoluta propriedade, que justiça tardia é injustiça. O exemplo da boate Kiss é tristemente lapidar nesse sentido.

Mesmo que secundário no contexto, há de se considerar que, sopesados os princípios da Justiça de uma forma mais ampla, também os réus têm o direito a um decisão que defina quem é culpado, em que dimensão, e quem, eventualmente, pode ser inocentado.

É preciso ressaltar que, desde o ano passado, a pandemia atrasou ainda mais o andamento dos processos em todo o Brasil. Esse é um argumento correto, mas insuficiente. Quando o novo coronavírus determinou o fechamento de tribunais, o julgamento da Kiss já tinha sido protelado por longos e improdutivos debates, por exemplo, sobre o local em que os réus deveriam ser julgados.

Oito anos depois daquela madrugada que chocou o mundo, familiares e amigos dos jovens que saíram de casa para se divertir e nunca mais voltaram continuam a ser punidos a cada dia. Primeiro, pela dor que nunca cessará. Depois, pela demora de um sistema no qual, pelo menos nesse caso, a lei oferece brechas pelas quais a injustiça se infiltra.

Durante a semana, em Santa Maria, o artista Deivison Lima pintou um mural no que sobrou da fachada da boate. Nele, escreveu, em letras pretas garrafais: "Kiss, oito anos de impunidade". Mais do que um justo protesto, a frase é um alerta de que jamais podemos esquecer o que aconteceu no dia 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

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