06 DE JANEIRO DE 2021
MÁRIO CORSO
Pandemia e irracionalidade
Existe algo a aprender com a pandemia quanto à onda de irracionalidade que ela gerou? Falo das pessoas que negam a doença, não se cuidam, são antivacinas, consomem remédios sem eficácia, ou pensam que tudo é uma conspiração.
Acredito estarmos em um período ímpar para entender como nossa cabeça funciona. Não emburrecemos, nós somos assim. Alguns contextos propiciam medir a real inteligência média humana, apenas isso.
Nosso problema enquanto espécie é que nos julgamos acima do que somos. Temos uma incrível capacidade de ignorar o quanto ignoramos. Pensamo-nos como racionais, mas não somos. Qual idiotice resta ao humano ainda fazer para abandonarmos essa crença? Para usar uma frase
do psicólogo Jonathan Haidt: "A cauda emocional abana o cão racional".
Existe quem consiga ser racional, mas ser mais racional em alguns pontos não quer dizer que o seja plenamente. Quando alguém é inteligente, ou hábil em um setor, consideramos que seja em todos, o que não é verdade. E a distância entre a inteligência e a tolice não é tão grande quanto imaginamos.
O que, sim, pode ser abissalmente distinto é o conhecimento. Algumas pessoas suportam o não saber e conseguem estudar. Porém, como cada degrau de conhecimento alcançado descortina 10 de desconhecimento, a maioria não estuda para seguir confiante na ilusão de sabedoria.
Iludidos sobre nós mesmos estamos todos. Eu que escrevo, você que lê, as pessoas que compuseram este jornal. Temos um órgão motivacional interno, extraordinariamente atuante, que nos avaliza para falar sobre qualquer coisa, e nos considera sábios o suficiente para levar a vida.
Quanto à onda do terraplanismo - ao meu ver o melhor autoatestado de estupidez -, a melhor pergunta a fazer é: qual o meu terraplanismo? Não nos damos conta, ou não admitimos, o quanto estamos imersos em narrativas falaciosas que nos confortam. Veja quantas pessoas levam a sério o horóscopo, um mito que tenta classificar o inclassificável da personalidade humana em categorias, que até são interessantes, mas em um sistema aberto ao contraditório ao infinito. Nada contra, mas se você acredita, olhe com mais piedade para os antivacinas, é a mesma gramática anticientífica e delirante: eles na biologia, você na psicologia.
Psicanalistas insistem na nossa paixão pela ignorância, que é um modo retórico de descrever o pouco que queremos saber sobre nós mesmos. Generalize isso e verá que a humildade necessária para aprender qualquer coisa convive com inseguranças. As certezas - geralmente fruto de delírios coletivos - são reconfortantes, ferrolhos para a existência. Descubra o seu terraplanismo para melhor compreender os alheios. Talvez como coletivo tenhamos mais chance de seguir adiante, nós, os homopouco sapiens.
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