05 DE JANEIRO DE 2021
DIOGO OLIVIER INTERINO
A santa paciência
Não é uma descoberta após anos de terapia, mas algo que meus amigos repetem até hoje. Eles dizem que sou paciente. Ou que sei ter paciência, o que não é exatamente a mesma coisa, embora produza o mesmo efeito prático externo. O efeito interno? Bem, para isso existe a análise. Em alguns momentos mais emblemáticos e tensos pelos quais passamos juntos, na vida e no trabalho, o titular deste espaço, David Coimbra, lá pelas tantas, resumia em tom de sentença, diante desta ou daquela tarefa:
- Tu é mais calmo, tu não vai brigar, então tem de ser tu.
Antes que pareça um melequento autoelogio, é bom deixar claro: paciência não é necessariamente virtude. A sua administração é que pode torná-la uma arma poderosa. Ah, se eu pudesse voltar no tempo para arriscar um pouquinho mais, aqui e ali. Não muitas vezes. Algumas. "Quem espera sempre alcança", diz um bem-intencionado adágio popular. Cuidado com ele. Paciência não é sinônimo de paralisia ou omissão, e sim o oposto da pressa idiota que põe tudo a perder. Winston Churchill, por exemplo. Ainda bem que, teimosamente, ele não recuou um milímetro em sua decisão de lutar contra os nazistas, quando boa parte de seu gabinete insistia em um acordo para evitar a iminente invasão da Grã-Bretanha pelos alemães.
Os EUA demoraram a entrar na guerra. Churchill pedia ajuda a Franklin Roosevelt, e o presidente americano respondia algo tipo "nós, aqui na América, não temos nada a ver com esses seculares rancores europeus". Talvez a História fosse outra se Churchill tivesse perdido a paciência e mandado Roosevelt para o inferno nos contatos telefônicos que mantinham. Essa relação institucional, preservada até o limiar da humilhação pelo mais famoso primeiro-ministro, foi decisiva na costura da aliança com Stalin, já com os EUA decididos a entrar na guerra, após o ataque japonês a Pearl Harbour.
O zagueiro que tenta tirar a bola do centroavante na primeira ginga será medonhamente driblado. Mas, se tiver alguns segundos de paciência, fará como Geromel e o desarmará. Iarley poderia ter servido Luiz Adriano assim que a bola caiu a seus pés, mas primeiro livrou-se com o corpo de Puyol, dando a Gabiru o tempo de passar às suas costas em melhores condições. Um instante de paciência, um título mundial.
Devorados pela fragmentação e futilidade de 90% do lixo que exala da internet, especialmente nas redes sociais, estamos perdendo a noção do todo que um pingo de paciência nos traria. Não é ideologia. Não é direita ou esquerda. É um vírus que mata e se espalha em progressão geométrica. Aglomerações no nível das que vimos no Natal e no Ano-Novo, com a vacina quase a nos picar o braço, não são desrespeito e arrogância com os profissionais de saúde e os mais velhos. São uma triste derrota do ser humano. Tenham a santa paciência.
*O colunista David Coimbra está em férias e retorna no dia 15/01- DIOGO OLIVIER | INTERINO
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