terça-feira, 21 de maio de 2024


21 DE MAIO DE 2024
TRAGÉDIA NO RS

Resignação e medo na Zona Sul

Apesar da redução no nível no Guaíba, a água ainda cobre ruas e avenidas em bairros como Lami e Guarujá, na Capital

Lentamente, a água começa a baixar e a revelar a sujeira e a destruição nos bairros da zona sul de Porto Alegre, onde a situação continua complicada. Apesar da diminuição de nível, o Guaíba ainda invadia muitas casas e avenidas da Capital ontem. Geladeiras, móveis, brinquedos e garrafas podiam ser vistos boiando. No Lami, o Guaíba ainda tomava completamente a Avenida Beira-Rio, próximo à Praia do Lami, onde se quebra em ondas. A maioria dos moradores está fora de casa, mas retorna com frequência para verificar a situação das residências. Em ruas como a Sônia Duro, centenas de galhos tomam conta da via e das calçadas.

Ainda que alguns pontos já tenham energia elétrica, o bar de Waldir Gustavo, 74 anos, localizado na mesma rua, está às escuras. A água chegou a invadir o local, atingindo uma altura de dois dedos. Sua casa, mais próxima ao Guaíba, foi inundada até a altura do peito. A enchente de 2023 já havia afetado a casa e o bar - que, por isso, mudou para o novo endereço.

- Agora foi devastador, não teve ninguém que escapou - diz.

Waldir não conseguiu remover nada da casa, só levantou os móveis, acreditando que a água não subiria tanto. No bar, os danos foram reduzidos: perdeu uma geladeira. Agora, nos fundos, uma cama improvisada sobre um sofá é seu novo lar.

Ele afirma que voltar será difícil, mas não pretende ir embora, a não ser que não encontre outra saída.

- É um sentimento de perda, mas fazer o quê? Vida que segue. Tragédia acontece em tudo que é lugar - resigna-se.

O serralheiro Paulo Roberto da Silva, 57, passou na mesma rua para tentar ver a situação de sua casa, que fica à beira do Guaíba e está inundada com um metro de água. Alojado na casa de um amigo, Paulo tem medo de novos roubos - muitos aconteceram no início da tragédia, conta. Ele estima que cerca de 50 casas foram destruídas, e outras três estão sob risco de desabar:

- Daqui até a igreja foi tudo varrido. Ficou tipo navio afundado.

Queixa

No Guarujá, alguns moradores já começam a voltar para tentar limpar as residências. A família da advogada e funcionária pública Carla Soveral, 61, que alugou um apartamento em outro local, removeu, ontem, um dos carros afetados pela enchente. Para tirá-lo da garagem, foi preciso conduzi-lo pela rua ainda alagada.

Na casa, o nível da água alcançou 75cm. Além da garagem, o Guaíba invadiu o gabinete, a área de serviço e a cozinha, com móveis planejados. A família estima que o prejuízo mínimo será de R$ 150 mil. A advogada reclama que o bairro tem sido esquecido pela administração pública:

- É um fenômeno climático, mas tem a responsabilidade do ser humano, tem o descarte inadequado de lixo.

A reportagem visitou, de barco, outros pontos ainda submersos, com o auxílio do marceneiro Paulo Ricardo Parulski, 35. Ele utiliza sua embarcação para ajudar a transportar moradores e para fornecer ração a pets que ficaram.

Ao navegar, foi possível avistar casas destruídas pela enchente. Próximo à Avenida Orleans, a estrutura que restou de uma casa de madeira chacoalhava e rangia.

Esposa de Paulo Ricardo, Amanda Oliveira, 27, auxiliar jurídica, tem tentado limpar a casa da família. Na residência, a água alcançou a cintura, e, na garagem, ficou no nível do peito. Ontem, entretanto, Amanda viu a água tornar a subir 10cm. O casal não sabe mais se quer ficar na região. Ela afirma:

- A gente teve muitas perdas, móveis sob medida se foram, máquinas ficaram embaixo d?água, material de cliente do meu marido. Retiramos o que foi possível. A gente tentou se precaver ao máximo, subimos o que deu, mas veio muita onda. Um móvel bateu com a força da água e abriu a parede.

Há moradores no escuro há 16 dias, mesmo em áreas onde a enchente não destruiu, em razão do perigo de descargas elétricas em regiões alagadas. Por isso, o medo de saques é uma constante na Zona Sul. Mesmo com a presença da Guarda Municipal, vizinhos têm se revezado para realizar rondas noturnas, ou então contratam um serviço privado de segurança.

- A gente tem que dormir com um olho aberto e um fechado - diz a enfermeira Karine Borges, 46, que ficou em sua casa, onde a água não chegou a atingir, para garantir a proteção patrimonial.

FERNANDA POLO

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