14 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR
Uma vida dedicada à casa
Durante 18 anos, Vanessa e Daniel dedicaram-se a um único objetivo: comprar casa, reformar a casa. Qualquer dinheirinho que entrava era posto em material de construção. Não tiravam férias, não gastavam com viagens, não arriscavam nenhum luxo para poder concluir a obsessão de um cantinho para sempre.
Vanessa é confeiteira, Daniel atua na área de segurança do trabalho. Moram no bairro Rio Branco, em Canoas, com os dois filhos, Giovana, quatro anos, e Davi, 13. Nos fundos do pátio, existe a confeitaria que atende por encomendas, parceria de Vanessa com a sua mãe.
Daniel me ligou no início deste mês, feliz como nunca, porque finalmente havia terminado a cozinha e o quarto do filho, após três anos nessa última etapa da construção. E o casal é que colocou a mão na massa, não contratou nenhum pedreiro. Chegavam do serviço e se trancavam nas obras. Dormiam exaustos para despertar cedo e recomeçar a rotina de obrigações.
Eu comemorei o feito, parabenizei o empenho e a disciplina. Ele disse que agora poderia relaxar um pouco mais: - Sobrou tempo para namorar a mulher da minha vida - comentou, num raro arroubo romântico.
O que eles - e milhares de canoenses - não esperavam era a devastação da cidade com o maior desastre natural da história gaúcha. Aconteceu cinco dias depois de anunciarem o fim da reforma.
Houve evacuação de sete bairros. Além do Rio Branco, em que eles residiam, Fátima, Mato Grande, Harmonia, Mathias Velho, São Luís e Niterói foram afetados pela enchente que assolou o município. Dos 350 mil habitantes de Canoas, a terceira maior cidade do RS, 225 mil se encontram desalojados.
Daniel e Vanessa perderam tudo de uma hora para outra. Tudo mesmo. Conseguiram levar alguns pertences em três mochilas, uma mala, e salvar seu cachorrinho, o poodle Slick. O lar, soma de todas as privações e renúncias do casamento, foi totalmente submerso. Os bens materiais que conquistaram, a empresa dos doces, as lembranças, os sonhos de uma existência inteira estão cobertos pelas águas.
A família vem morando de favor em residência de amiga, sem prever o que reaverá debaixo dos destroços. Daniel e Vanessa têm feito o esforço de dar esperança para os filhos, esperança que eles mesmos já não possuem.
Isso que conto é uma breve história em meio a infindáveis relatos da tragédia, uma pecinha do quebra-cabeça de meio milhão de pessoas desabrigadas no Estado. Vai passar? Vai! Vamos nos reerguer? Vamos. Mas com imensas cicatrizes. A positividade tóxica morreu em maio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário