sábado, 18 de maio de 2024


18 DE MAIO DE 2024
CARPINEJAR

1875

Sou neto de italiano, Leônida Carpi, que deixou tudo para trás em Reggio Emilia para tentar uma nova vida em Guaporé. Casou-se com gaúcha, descendente de italianos, Elisa Margarida Bonnato (minha avó), abriu hotel, enraizou-se na comunidade, envolveu-se com política partidária, e jamais se viu aprisionado pela nostalgia, a ponto de escolher este epitáfio para sua lápide: "Um brasileiro".

Quando as filhas perguntavam curiosidades da sua trajetória pregressa em solo natal, ele não falava nada. Trocava de assunto, usando como fiador o poeta Dante Alighieri:

- Nada mais dolorido do que recordar o passado.

Pelo jeito, o sofrimento havia sido tão grande que ele nem queria cometer o desatino do suspiro e da recordação. Participara da Primeira Guerra Mundial com apenas 17 anos, testemunhando mortes de colegas e atrocidades.

Mantinha a cabeça focada no presente - "a pátria é a minha esperança" -, sem correr o risco de um torcicolo da saudade.

Muito além da transferência de um paradeiro, mudou de destino e de profissão. Largou para sempre a carreira de músico, de violinista, em nome do sustento e do comércio.

Várias cidades do nosso interior foram profundamente atingidas pelo maior desastre climático da história gaúcha. Muitas delas, como Encantado, Muçum, Roca Sales, Santa Tereza, Serafina Corrêa, Garibaldi, Galópolis (Caxias do Sul) e Veranópolis, têm em comum a imigração italiana.

Os descendentes estão enfrentando a hercúlea tarefa de refundar seus municípios, muito mais do que reconstruí-los.

Em 1875, os imigrantes chegaram ao Rio Grande do Sul já traumatizados pela miséria. Atravessaram o Oceano Atlântico devido à severa crise agrária que assolava a Europa. Egressos de Vêneto, Trento e Lombardia, buscavam novas alternativas de trabalho.

Abandonaram subitamente seus parentes, casas e histórias na Itália.

Dependendo da origem, as famílias levavam cinco dias para alcançar a estação de trem mais próxima, rumo ao porto de Gênova. Uma travessia feita a pé, debaixo de sol e chuva, por trilhas íngremes. Contavam apenas com o auxílio de animais para carregar os pertences.

Depois, os imigrantes, amontoados e desnutridos, suportavam uma viagem de navio que poderia durar 60 dias.

Só que não encontraram sossego e repouso em terra firme. Não havia nenhum povoado pronto os esperando em nossa serra e nossos vales. Nenhuma estrutura. Eram locais desabitados e de difícil acesso. Até estradas tiveram que abrir, num processo de preenchimento de áreas não ocupadas economicamente.

Foram desbravadores, pioneiros, iniciando assentamentos em zonas rurais, precisando lidar com as dificuldades do idioma e com a falta de incentivo. A primeira fase da ocupação teve um caráter exclusivamente rural, devotado para a agricultura de subsistência. Em seguida, viriam as atividades vitivinicultoras, intensificadas com a inauguração da ferrovia entre Montenegro e Caxias do Sul, em 1910 - meu avô chegou nesse período. Ocorreriam também o ingresso na industrialização e a formação de cooperativas, assumindo-se o modo de produção capitalista e certa independência em 1950.

Com a destruição pelas cheias, é como se tivéssemos voltado para 1875.

CARPINEJAR

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