Pelos pássaros afogados
Assim como o cavalo do telhado se transformou em símbolo de resistência e de heroísmo da tragédia climática, com louvor para a intervenção humana, a morte dos pássaros e dos demais animaizinhos cativos no interior do shopping alagado ficará como marca infame da nossa insensibilidade.
Escrevi "nossa" e sei que isso já será suficiente para provocar reação das pessoas indignadas com o crime cometido. Portanto, apresso-me em dizer que estou com elas: me oponho radicalmente ao confinamento de animais indefesos. Mas não posso ignorar que a sociedade da qual faço parte tolera a prisão e a comercialização de bichinhos retirados da natureza. E muitos de nós os compramos para presentear nossas crianças. Então, todos temos um pouco de responsabilidade.
Mas podemos mudar isso. Se queremos realmente reconstruir melhor o Estado, como apregoam cientistas e especialistas, poderíamos começar pela legislação sobre os animais silvestres. O Rio Grande pode dar um exemplo ao país, tornando-se o primeiro Estado brasileiro a proibir o aprisionamento e a venda de pássaros, roedores, peixes e demais bichinhos. Acho que pode ser uma lição de casa para os nossos parlamentares - e para todos nós, especialmente na hora de escolher em quem votar.
E pode ser o gatilho para uma mudança de mentalidade no país. Pelo que sei, a legislação que eliminou a exploração de animais selvagens nos circos começou pelos municípios e assumiu proporção nacional, até que os próprios promotores de espetáculos perceberam que a crueldade afastava a parcela mais consciente do público.
Eis aí um alerta para a própria empresa que deixou os pássaros morrerem afogados. Independentemente do inquérito policial que terá de responder e de notas oficiais retóricas que nada justificam, os responsáveis pela barbárie poderiam atenuar o baque na própria imagem se, espontaneamente, adotassem a decisão de não mais comercializar animais silvestres em todas as suas unidades no país.
É o mínimo que poderiam fazer pelos pássaros sacrificados e por todos que têm sua liberdade subtraída pela insensibilidade humana, bem representados na poesia de Olavo Bilac: "Não quero o teu alpiste!/ Gosto mais do alimento que procuro/ Na mata livre em que a voar me viste; / Tenho água fresca num recanto escuro/ Da selva em que nasci;/ Da mata entre os verdores,/ Tenho frutos e flores,/ Sem precisar de ti!/ Não quero a tua esplêndida gaiola!/ Pois nenhuma riqueza me consola/ De haver perdido aquilo que perdi?"
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