Piedade
Pietà, de Michelangelo, é uma das esculturas mais populares do mundo. Representa Jesus morto nos braços de sua mãe. Maria está de olhos fechados, como que se comunicando em pensamento com o filho adulto e ausente em seu colo.
Há palavras que unicamente podem ser usadas depois da experiência. Conhecemos, na última semana, a piedade, a misericórdia, a compaixão. Palavras que nunca apresentaram tanto sentido para traduzir a realidade. Antes, eram meras palavras. Atualmente, nominam a nossa emoção perante fatos aterrorizantes.
O Rio Grande do Sul atravessa o mais piedoso capítulo de sua história, numa enchente descomunal, que afetou 85% dos nossos municípios, num lastro de dor, desamparo e angústia por resgates. Não se falou de outra coisa. Não se viu outra coisa. Nunca se esperou tanto para que a cheia não se alastrasse mais, ou para que houvesse uma trégua de sol destinada a reduzir seus danos.
Chegamos ao mais triste Dia das Mães do nosso percurso humano no sul do país, a mais difícil e árdua celebração no meio de uma tragédia, com mais de cem mortos, mais de cem desaparecidos e meio milhão de pessoas desalojadas.
O que dizer? Não é o momento de presentes, não é o momento de efeitos especiais e de surpresas: só de abraços lentos, cálidos, só de colos de Pietà, só de oferecer a nossa presença se possível, só de dividir os cabelos de nossas mães com a ponta dos dedos, de olhar firme nos seus olhos e lembrar o nosso nascimento, apesar da destruição e justamente para combater as ruínas.
A nostalgia de nossas datas felizes deve servir para proteger o nosso futuro. É uma artimanha emocional: recobrar a paz de nosso passado é um jeito de imaginar um futuro melhor. Se aconteceu um dia, pode acontecer de novo.
Pensarmos em nossas mães é nos recordarmos do lugar de onde viemos, de como éramos frágeis ao nascer, de como pedíamos socorro ao nos flagrar sozinhos no quarto, de como chorávamos de madrugada por cólicas insondáveis, de como demoramos para falar, para pronunciar as primeiras palavras, de como nos preparamos para plantar os pés no chão, para engatinhar, para andar com as próprias pernas, para não sofrer com as quedas e tombos, de como nos mostrávamos desengonçados, atrapalhados em nossa fome de viver, de como levamos tempo para ir do leite à papinha, da papinha às refeições no prato, até ter a motricidade fina de segurar a colher com precisão.
E sempre, no nosso crescimento vagaroso, na nossa criação gradual e exigente de extrema dedicação, havia uma mãe para nos amparar. Uma mãe zelosa, atenta e carinhosa com as nossas limitações e vontades. Uma mãe entendendo, como agora, que não podemos dar tudo o que ela merece. Nós, gaúchos, somos todos filhos nascendo. Saindo do parto. Começando do zero. No colo piedoso de nossas mães.
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