23 DE MAIO DE 2024
TULIO MILMAN
Falso dilema
Em tempos difíceis, as palavras ganham novas dimensões e significados. Um texto, no fim das contas, é apenas um punhado de frases que expressam as ideias de seu autor. Mas o sentido é dado por quem lê, a partir da sua realidade e do seu momento.
Ando pensando sobre os conceitos de certo e errado, diante da dor e das perdas causadas pelas enchentes avassaladoras que submergiram boa parte do Rio Grande do Sul.
Nosso cérebro evoluiu para julgar rapidamente. É um sistema de defesa, eficiente e imprescindível. Só assim sobrevivemos: diferenciando, em uma fração de segundo, o que nos ameaça do que nos ajuda. Às vezes, porém, esse mecanismo atrapalha, porque nos empurra para injustiças e precipitações.
Uma pergunta: agora é o momento de frequentar bares e restaurantes com os amigos, de arrumar o cabelo, de ir ao cinema ou de comprar um item não essencial em uma loja? Há dois jeitos de ver as coisas. O primeiro: é uma absoluta falta de empatia, um desrespeito, enquanto tanta gente perdeu tudo, inclusive a vida.
Mas há uma outra maneira de avaliar a questão. Cada restaurante, bar, cinema, salão, academia e loja que consegue estar aberto tem pelo menos um empreendedor, garçons, professores, fornecedores, vendedores, seguranças, faxineiros, cabeleireiros, manicures e assim por diante. Para quem consegue se deslocar e ainda dispõe de recursos, por menores que sejam, deixar de frequentar esses lugares é aumentar o tamanho do problema.
Não se trata de postar selfies festivas ou de dar sonoras gargalhadas em público, mas sim de manter a normalidade possível, justamente para ajudar quem precisa. Pagar a matrícula da academia, os 10% de quem nos atende bem, pensar em outra coisa enquanto vê um filme e acionar o motorista do aplicativo são ações concretas para impedir que o colapso seja total.
Por isso, mais do que escolher um dos dois caminhos propostos acima, defendo a liberdade e o respeito com o jeito de cada um reagir à tragédia quando a intenção é ajudar. Acima de tudo, o importante é continuar trabalhando, rezando, ajudando, abrindo o coração, chorando e, logo depois, buscando forças para seguir em frente. Vai passar. A travessia é longa. Mas vai passar.
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