sábado, 8 de julho de 2023


TULIO MILMAN

Tempo ao tempo

Ele estava no portão, luvas de trabalho postas, olhar atento. Tentei lembrar da última vez que o visitara. Antes da pandemia, com certeza. Havíamos nos encontrado algumas vezes em Porto Alegre. Uma delas, poucos dias depois que a Maya nasceu. Quem me visitou, então, foi ele. Trouxe de presente um livro, o primeiro da minha filha, hoje com um ano e nove meses. Dialogando com Picasso ainda é parte das nossas brincadeiras. No começo, eu apontava as fotos e dizia: "Pedra, olho, boca, touro". Hoje, quem diz é ela. Diz também "Tio Bess".

João Bez Batti é o maior escultor brasileiro vivo. Nos conhecemos há mais de 25 anos. Na verdade, eu o conheci quando estive no pequeno ateliê da vinícola Dom Giovanni. Comprei uma pequena cabeça de basalto. Tempos depois, subi a serra novamente para fazer uma reportagem para o TeleDomingo, da RBSTV. Bez, já instalado em um local mais amplo, me levou às margens do Taquari, rio no qual sua mãe lavava roupas enquanto ele, na imensidão do tempo, ia se apaixonando pelos seixos e pelo movimento ruidoso das águas. Vi o Bez conversar com a natureza.

Terça-feira, fui a Bento Gonçalves a trabalho. Decidi, dessa vez, arrumar tempo para visitar o Bez e a Shirley, sua companheira de uma vida.

Na chegada, lembrei da Guadalupe, uma pastora-alemã que saía em disparada para poder trazer de volta pedras - e não galhos ou ossos - jogadas pelo Bez. O novo ateliê fica em um terreno grande, onde convivem esculturas, seixos, galinhas, cães e gatos. Caminhamos. Vi os esboços da próxima exposição, cujo tema ainda não posso revelar. Depois, sentamos à mesa da cozinha, ao lado do fogão a lenha. Tomamos chá e comemos bolo. A Shirley está renovando sua carteira de motorista. O Bez, 83 anos, parece um guri. Remoçou depois da cirurgia. "Ter o doutor Lucchese como amigo é um presente de Deus", me disse. Contei sobre o meu trabalho, sobre a Jaque e sobre coisas do cotidiano. Uma conversa como eram as conversas de antigamente, sem pressa, embalada pelo crepitar da lenha.

Com o tempo, o Bez se transformou em um querido amigo, por quem tenho carinho, admiração e gratidão. E como é bom poder escrever tudo isso e vê-lo forte, disposto e cheio de planos para o futuro. O tempo nos esculpe, a arte sabe.

TULIO MILMAN

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