sábado, 8 de julho de 2023


NÍLSON SOUZA

Esconde-esconde

Ainda estou invocado com o resultado do Censo. Como a maioria dos brasileiros, eu também estava convencido de que já éramos quase 213 milhões de almas residentes e domiciliadas nesta pátria mal- amada, como vinham informando as estimativas oficiais. De repente, vem o IBGE e joga água fria na nossa megalomania: "apenas" 203.062.512 habitantes. E um número exato, para não deixar dúvidas.

Mas que as tenho, as tenho. Onde foram parar os 10 milhões de patrícios que já faziam parte da vida do país, dos números da pandemia, dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios e das filas de desatendidos no sistema de saúde? Dez milhões não é pouca coisa. Cabe um Paraguai inteiro aí. É duas vezes a população do Uruguai. É todo Portugal, incluindo os brasucas que não param de desembarcar por lá.

Já li e ouvi muitas explicações para esse sumiço demográfico de proporções continentais. A mais plausível delas é a de que a estimativa de 213 milhões, feita pelo próprio IBGE no final do ano passado, baseada no Censo de 2010, estava equivocada. Num país que erra seguidamente as pesquisas eleitorais e tem seus estudantes constantemente reprovados nas avaliações de matemática, não é de se estranhar. Temos que reconhecer: não somos mesmo os melhores em números, cálculos e projeções.

E nem é culpa do IBGE. O instituto tem carências reconhecidas, enfrentou toda a sorte de dificuldades para contar a população, teve que adiar sucessivas vezes o encerramento do trabalho. Além disso, a taxa de crescimento populacional desabou por conta da pandemia e de outros fatores imprevistos. São atenuantes reais e compreensíveis. Mesmo assim, penso que o desaparecimento de tantas pessoas talvez tenha outro motivo até agora pouco mencionado: o autoescamoteamento. A verdade é que muita gente se escondeu do Censo.

Outro dia eu mesmo acompanhei o dilema de uma recenseadora na zona norte da Capital. Depois de acionar, por cinco dias seguidos, a campainha de determinada residência visivelmente habitada e de deixar seu telefone na caixa de correspondência sem que ninguém aparecesse ou desse qualquer retorno, a mulher simplesmente exclamou:

- Cansei!

E fez lá não sei que registro na sua planilha eletrônica, antes de dobrar a esquina e desaparecer. Provavelmente, colocou algum traço naquela coluna do "não sabem, não responderam" que sempre aparece nas pesquisas televisivas. A dúvida que fica, portanto, pode ser

resumida na seguinte pergunta: quantos são os brasileiros que se escondem do Brasil?

NÍLSON SOUZA

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