segunda-feira, 30 de abril de 2018


30 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

Por que somos quentes



Você só dá a mão em cumprimento a um americano uma única vez: quando o conhece. Depois, basta uma saudação a distância, de preferência acompanhada de um sorriso, talvez de uma observação tão simpática quanto impessoal:

- Belo guarda-chuva esse que você tem na mão.

Sim, os caras são capazes de elogiar o seu guarda-chuva. A ideia é manter a cordialidade sem se aproximar muito. É que essa é a civilização do indivíduo. Não é por acaso que os Estados Unidos jamais estiveram sob o tacão de um rei ou um ditador. Os americanos não admitiriam que um político se colocasse acima do cidadão comum. O cargo é reverenciado. O homem que o ocupa, não.

Pegue Trump como ilustração. Há quem o compare com Bolsonaro ou outros líderes populistas. Errado. Ninguém idolatra Trump. Ninguém o chama de "mito" ou coisa que o valha. Trump foi eleito simplesmente porque parte da população aprova as propostas que ele fez durante a campanha eleitoral. E ele, incrivelmente, está tentando cumprir o que propôs.

Trump não será venerado, nenhum político o será, exatamente devido ao apreço à liberdade individual. Os cidadãos podem admirar um político, como admiram Kennedy, Lincoln e Washington. Venerá-lo, não, porque isso lhe daria poder demais e incorreria em riscos ao poder do indivíduo. A veneração é despendida em figuras inofensivas, como artistas e cantores. Ou, na ficção, aos super-heróis. Essa é a pátria dos super-heróis - da ficção.

Veja como um entendimento absolutamente pessoal, de foro íntimo, influencia na condução de toda uma nação.

Nós brasileiros somos o contrário. Nós buscamos o toque e a proximidade. Três beijinhos, abraços, contato visual. É por isso que o brasileiro fala alto em lugares públicos, enquanto o americano evita até conversar ao celular. Não só o americano. É essa a cultura anglo-saxã. Você já andou de metrô em Londres? É uma experiência antropológica: o vagão lotado, você fica quase que roçando o nariz com o nariz de um inglês, e ele jamais olha para você. Mais: o olhar dele o atravessa, é como se você não estivesse ali ou como se você fosse um poste. O inglês está fechado em sua individualidade e não aceita intromissões.

Nós, ao contrário, nos abrimos ao outro porque PRECISAMOS do outro. O indivíduo, no Brasil, é um ser indefeso. Há perigos em toda parte, ele está sempre sob a ameaça de ser enganado e, mesmo quando a lei supostamente o protege, algum inimigo mais poderoso pode encontrar um desvio jurídico que irá prejudicá-lo. Então, é necessário cercar-se de parentes, amigos, conhecidos e influências, que formam um campo de força contra as injustiças. Donde, a nossa tendência em acreditar que um líder virá para nos salvar e resolver os nossos problemas. Donde, o personalismo dos políticos, o logro inevitável, o populismo nefasto.

Porém, ah, porém, o internacionalmente reconhecido calor humano brasileiro é também internacionalmente estimado. Os estrangeiros, quando se relacionam com latinos, em especial com brasileiros, afeiçoam-se sem apelação. E nós, brasileiros exilados, acostumados ao nosso modo abrasador de ser, sentimos falta de um pouco dessa proximidade humana, dessa malemolência nacional. 

Amanhã vou dar um exemplo disso, mas, por ora, me ponho a pensar: será que não poderíamos unir duas características positivas? Será que não poderíamos juntar o calor pessoal à sobriedade social, em especial a necessária sobriedade na política? Poderemos um dia ser tolerantes sem ser permissivos? Ou seremos sempre escravos das nossas qualidades?

DAVID COIMBRA

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