segunda-feira, 2 de abril de 2018


02 DE ABRIL DE 2018
DAVID COIMBRA

Dilma e Lula deveriam agradecer por "O Mecanismo"


Tem um vinho argentino pelo qual me afeiçoei. É um malbec chamado Proêmio. Aqui, sai baratinho, US$ 7. Aí, não sei o preço. Claro, não é um néctar que possa frequentar a mesa de um conhecedor, como o Verissimo, mas, para um ponta-direita recuado do IAPI está mais do que bom.

Pois, nesta Páscoa, busquei um Proêmio ali no Trader Joe?s, abri e me pus a ver a série O Mecanismo, do Zé Padilha. Estava curioso, depois de toda a gritaria dos petistas.

Tentei assistir à série apenas pela trama em si, como se fosse um americano ou um dinamarquês, alguém que não soubesse de nada do que acontece no Brasil, mas, confesso, não consegui. A História da Lava-Jato, com agá maiúsculo, é forte demais e está presente demais para que pudesse fazer um distanciamento crítico.

Em todo caso, a urdidura da história tem seus predicados. Padilha soube manter a tensão em todos os episódios e desenvolveu alguns bons personagens. O melhor deles é o doleiro Alberto Youssef, interpretado pelo ator Enrique Díaz. Ele faz um vilão cínico e inteligente, quase manemolente e quase melancólico. Cheguei a torcer pelo seu bom sucesso, em alguns momentos.

Selton Mello interpreta um delegado perturbado, cheio de problemas, alguém que eu não sabia existir na chamada vida real. Selton vai bem, é ótimo ator, mas por que tem de falar tão baixinho? Tive de ler as legendas em inglês para entender o que ele falava.

Mas o melhor, mesmo, são as relações com a realidade. Os trocadilhos com os nomes são engraçadíssimos, parece coisa dos gibis do Asterix. E, agora, entro na parte política: na boa, não há motivo para a fúria dos petistas.

A Dilma "de verdade" ficou brabíssima, sei, mas o Padilha a poupou. Não usou os famosos discursos dela, por exemplo. Eu não perderia essa chance. Os discursos da Dilma são deliciosos para dar uma quebrada na tensão da narrativa, estão prontos para cenas de comédia, mas não há sequer insinuação disso. A série também não aborda a gestão trágica de Dilma, a violenta crise econômica, o desemprego, os ministros acusados de corrupção, nada.

Dilma fica mal por causa do cabelo da atriz que a interpretou, um troço espetado que serviria para um filme da Madame Min. Dilma, perto da caracterização que fizeram dela, é uma Gisele Bündchen. Será que toda aquela brabeza é vaidade?

Já o Lula da série é muito mais suave do que o original. Reclamaram que o Lula do Mecanismo falou a frase do Jucá sobre "estancar a sangria" da Lava-Jato. Tudo bem, foi uma citação desnecessária. Só que as falas do Lula real são muito mais pesadas. Eu, se fosse o Padilha, não desperdiçaria o que ele disse sobre o Supremo acovardado ou aquela do grelo duro, entre tantas efervescentes.

Dilma e Lula são ótimos personagens na vida real. São exóticos, folclóricos, exagerados, engraçados. Na ficção, tornaram-se anódinos. Deveriam agradecer a Padilha.

Quem é realmente ridicularizado é o Aécio Neves. De longe, é o personagem mais vil da série, surge tomando umas boletas como um viciado, bebendo uísque como um gângster, cercado de mulheres como um playboy. E mais: o narrador diz que, se ele fosse eleito, acabaria com a Lava-Jato. Nenhum apoiador de Aécio reclamou. Sei por que: ele não tem apoiadores.

Nem Moro sai ileso da história. É apresentado como um juiz sério, mas vaidoso. Há uma cena divertidíssima em que está deitado na cama lendo um gibi de um certo "Vigilante Sombrio"! E, quando os brasileiros saem às janelas para fazer panelaço contra Dilma, ele sorri de lado, como se aquilo fosse uma vitória pessoal sua.

Há defeitos e virtudes em O Mecanismo. Mais virtudes. Não sei o que um americano ou um dinamarquês acharão da série, mas um brasileiro tem de assistir. Nem que seja só para achar graça de suas desgraças.

DAVID COIMBRA

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