terça-feira, 3 de abril de 2018



03 DE ABRIL DE 2018
CLÁUDIA LAITANO

Se o inferno acabasse agora


Parece que não pegou bem a iniciativa do Papa de despachar o inferno para o porão das ideias religiosas em desuso. "O inferno não existe, o que existe é o desaparecimento de almas pecaminosas", disse o papa Francisco em uma entrevista concedida ao jornalista Eugenio Scalfari, do jornal italiano La Repubblica.

O Vaticano se apressou a jogar água na fervura teológica, insinuando que o velho jornalista, prestes a completar 94 anos, havia interpretado mal as palavras do Pontífice. Na entrevista, o Papa teria dito que as almas perdidas simplesmente desaparecem, enquanto aqueles que se arrependem ficariam para sempre na companhia divina - o que combina mais com a teologia católica moderna, que evita a ideia de suplícios eternos.

Se o inferno acabasse agora, deixaria para trás um enorme legado de sofrimento psicológico desnecessário, mas também um precioso acervo de criações inspiradas pelas trevas abissais. Foram os artistas que emprestaram enredo e iconografia ao cenário de choro e ranger de dentes apenas mencionado rapidamente na Bíblia, ornando suas criações com demônios e sofrimentos customizados conforme a época e a mensagem a ser transmitida. 

O mais importante de todos, o poeta italiano Dante Alighieri, imaginou o Inferno como um espaço não apenas de punições e sofrimentos, mas também de debates políticos, romances e picuinhas provincianas - trancando lá dentro, para o resto da eternidade, todos aqueles que haviam sido desleais a ele. Nada mau como vingança.

Por aqui, Guimarães Rosa mostrou que nem mesmo o sertão e suas veredas são remotos demais para um capeta em busca de uma alma para comprar. O escritor mineiro colocou a dúvida de Riobaldo sobre um possível pacto com o demônio - e o sentido existencial de acreditar-se (ou não) na ideia de que o mal está além do humano - no centro da magnífica narrativa de Grande Sertão: Veredas. 

A certa altura, o jagunço metafísico reflete: "O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver - a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo".

* O colunista Carpinejar está em férias. - CLÁUDIA LAITANO

Nenhum comentário: