sexta-feira, 6 de abril de 2018



Por que a prisão de Lula é triste 
Era para ser a consagração e foi o fracasso
05/04/2018 - 17h54min
DAVID COIMBRA

Não. A prisão de Lula não me faz feliz. Ao contrário. Sei que é necessária, sei, inclusive, que representa um avanço para o Brasil, mas não deixa de ser, também, um fracasso. Lula, quando foi eleito, deveria ter se tornado o símbolo de uma espécie de consolidação da nascente democracia brasileira. Um presidente operário, líder de um partido realmente orgânico. Era uma aragem de renovação.

O Brasil vinha bem, havia derrotado seu maior inimigo, a inflação, e a conjuntura econômica parecia bastante favorável. Lula não tinha sequer a obrigação de fazer um governo competente, desde que fosse um governo decente. E, nos primeiros anos, ele superou as expectativas. Fez uma gestão sóbria e soube se beneficiar do momento positivo no mercado internacional.

Então, o mensalão mostrou que havia alguma coisa errada. Na verdade, muita coisa estava errada. O PT não criou o sistema corrupto, está certo quem diz isso, mas apropriou-se dele com volúpia e o fermentou. Montou uma rede de influências políticas e de irrigação de recursos escusos que tomou a sociedade brasileira e desbordou das fronteiras para países da América Latina e da África onde havia governos amigos.

Ao mesmo tempo, o PT cometeu dois terríveis erros filosóficos: em primeiro lugar, subverteu sua própria natureza ao praticar o que criticava, por exemplo, no PDT: o culto à personalidade. Lula virou o messias, o chefe, o caudilho. Talvez fosse inevitável que ocorresse tal desvio – o PT é um partido de intelectuais, e a figura de um líder operário defensor dos pobres é irresistível para os intelectuais de esquerda.

Assim, Lula tornou-se uma espécie de santo malandro. Mesmo seus erros mais graves eram vistos com bonomia e seus defeitos se transformavam em virtudes. A vulgaridade de um homem que se refere a uma deputada como Maria do Rosário como um dos "grelos duros" do partido não era vulgaridade: era "linguagem popular". Quando ele confessava que não lia livros "por preguiça", os intelectuais sorriam: "Ele é assim mesmo, ele é autêntico...". Seguindo esse raciocínio, nenhum fiel via maldade no relacionamento promíscuo do Grande Líder com empreiteiros corruptores ou com políticos corruptos. Era só o jeitão dado dele.

O segundo erro grave do PT foi a estratégia de nunca responder às críticas e sempre demonizar os críticos. Quem por acaso não concordasse com o PT não o fazia por compreender as coisas de forma diferente: fazia-o por má intenção. Para um petista, ninguém que critica o PT é equivocado; quem critica o PT é do mal. Só pode criticar um partido defensor dos pobres quem se repoltreia com os ricos. 

O PT, desta forma, dividiu a sociedade entre os bonzinhos protetores de negros e pobres e os malvados da elite branca e pérfida. Um maniqueísmo tão óbvio quanto nocivo. Só que os petistas, ao classificarem a classe média como elite econômica, classificaram-se como elite moral. Eles se apartaram do resto da sociedade e apartados estão. Difícil consertar esse rompimento.

O resultado desse acúmulo de erros é um país nervoso, inseguro, que não sabe para onde vai. Certamente acabará descobrindo. Mas, como mostra todo esse longo processo de condenação de Lula, não será sem dor.

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